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Vídeo, reunião e ameaça: bolsonarismo ataca indígenas por votos na Amazônia
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Na noite do dia 8 de outubro, um sábado, fazendeiros e empresários convocaram moradores e se reuniram para um evento que tinha como objetivo conquistar votos para o presidente Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno.
O encontro, que reuniu cerca de cem pessoas, ocorreu no Parque de Exposição de São Francisco do Guaporé (RO). Sobre a mesa principal, uma bandeira do Brasil dava o tom do cenário. "Essas cores mostram que o patriotismo voltou", disse um dos fazendeiros que fez uso da palavra.
Foi parte de uma intensa campanha que o poder econômico e político local tem feito para conseguir mais votos para a reeleição do presidente, usando como tática o medo de moradores e agricultores locais perderem suas terras para os indígenas em caso da derrota de Bolsonaro.
Nos últimos dias, um vídeo com um minuto de duração começou a circular no WhatsApp dos moradores locais. Com uma música ao fundo como se fosse um filme de horror, mostra um mapa com uma área gigante e anuncia em letras vermelhas.
"Você sabia que a maioria de vocês estão [sic] dentro dessa área que é de interesse da Funai que a esquerda promete virar reserva indígena", afirma.
Em outro trecho, ameaça ao dizer que não serão apenas aqueles que têm terras no território reivindicado que perderão suas propriedades. "Você paga para ver?"
A área apontada é o Vale do Guaporé, que abrange os municípios de São Miguel, Seringueiras, São Francisco e Costa Marques e onde há mais de duas décadas três povos indígenas lutam pela demarcação de seus territórios.
O vídeo tenta atingir diretamente quem vive na comunidade de Porto Murtinho, no município de São Francisco do Guaporé.
Após essa ação orquestrada, um indígena da região afirmou à coluna que muitos deles passaram a sofrer ameaças.
"Depois que ele começou a circular, os indígenas começaram a sofrer intimidações, já que o mapa apresentado se refere a territórios reivindicados pelos povos Migueleno e Puruborá", conta.
Diante do medo, os indígenas fizeram uma denúncia ao MPF (Ministério Público Federal) de Ji-Paraná, para que a campanha feita com ameaças seja investigada.
Outra indígena explicou que a reunião do último dia 8 foi mais uma forma de pressionar e pôr medo aos moradores após uma eventual vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"Foi uma reunião de cunho político realizada por empresários e fazendeiros do município de São Francisco, onde nós não temos terra demarcada. Eles demonstraram seu apoio ao Bolsonaro nesse segundo turno", conta ela, que, por temor de represálias, pediu para não ter a identidade revelada.
Segundo apurou o UOL, o receio dos moradores é que os processos de demarcação de terras avancem e retirem a posse das propriedades de quem ocupa o entorno do território.
Todas as terras requisitadas pelos três povos ainda estão em fase inicial do processo de demarcação. Dessas, só duas têm GTs (grupos de trabalho) criados para estudo de áreas etno-histórica, antropológica, cartográfica e ambiental: os povos Migueleno e Puruborá.
Ambos só tiveram grupos criados recentemente pela Funai (Fundação Nacional do Índio) por determinação judicial, após ações civis públicas do MPF em Rondônia pedindo o andamento dos processos.
Já os Kujubim, que vivem em Costa Marques, ainda aguardam a publicação do GT.
Problema antigo
Apesar de o problema ter se acentuado nestas eleições, indígenas contam que a batalha para ter direito a suas terras é antiga.
"Desde que começou a luta, começou essa briga com fazendeiros desses municípios. A grande maioria deles têm pedaço de terra na BR-419. Mas no momento são as eleições que estão causando tudo isso", afirma uma líder local.
Entre abril e maio, mais de 80 lideranças dos três povos realizaram um encontro na aldeia Aperoí, em Seringueiras (RO), para discutir a demarcação de seus territórios.
Após o evento, eles lançaram um documento em que reforçaram a necessidade da união para fortalecer a luta pela demarcação. Eles alegam que a área é ocupada indevidamente principalmente para o plantio de soja e para a agropecuária.
"É necessário e urgente que os estudos antropológicos e de delimitação fundiária sejam retomados e concluídos pela Funai. Durante esses dois anos de pandemia, houve muitas perdas de integrantes dos povos indígenas Puruborá, Kujubim e Migueleno, que estão partindo sem ver o seu território demarcado e sem poder descansar juntos aos seus ancestrais em seus territórios sagrados", afirmam os povos na carta.
Eles temem que o STF (Supremo Tribunal Federal) decida a favor do marco temporal, que poderia fazer com que eles perdessem o direito de reivindicar pelos territórios. Segundo essa tese, só poderia reivindicar direito sobre uma terra o povo indígena que já estivesse nela no momento da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
Nossa história não começa em 1988. Para nós, povos indígenas Puruborá, Kujubim e Migueleno, até a escrita sobre a presença de nossos povos nos nossos territórios tradicionais é anterior à chegada do Marechal Candido Rondon nessa região."
Carta de povos Puruborá, Kujubim e Migueleno
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