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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Com voto bolsonarista consolidado, Maceió vira 'ilha' anti-Lula do Nordeste

Davi colocou um ponto de venda de material do Brasil e de Bolsonaro ao lado de condomínios de luxo em Maceió - Carlos Madeiro/UOL
Davi colocou um ponto de venda de material do Brasil e de Bolsonaro ao lado de condomínios de luxo em Maceió Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Colunista do UOL

23/10/2022 04h00

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Na barraca verde-amarela montada pelo microempresário Davi Barros, 63, há 15 dias não tem mais camisa de Jair Bolsonaro (PL) para vender. "Você procura e não acha em canto nenhum", diz ele, que fica ao lado do condomínio mais luxuoso de casas de Maceió, o Aldebaran, e comemora as vendas.

Quem anda pelas ruas da capital alagoana não imagina que está no Nordeste, que deu 66% dos votos válidos ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "Eu sempre vendia aqui em época de Copa, mas neste ano as vendas estão dobradas: é eleição e Copa. Comecei pendurando apenas em um varal, hoje são três na barraca", diz.

Eleitor roxo de Bolsonaro, além de vender boné, camisas e bandeiras do Brasil, ele distribui adesivos de campanha. "Se fosse vender camisa vermelha aqui, meus filhos iam morrer com fome porque ninguém compra. Mas não coloco à venda porque não quero mesmo. Quando alguém pergunta se tem, digo que procure ali pelo Baldomero [Cavalcante, presídio mais conhecido da cidade]", explica.

Davi é casado, evangélico e tem três filhos —que têm nome similar ao dele. Ele é um dos 240.053 eleitores (49,59% do total válido) que votou em Bolsonaro no dia 2 de outubro em Maceió, única capital do Nordeste em que o presidente ficou à frente de Lula —que teve 195 mil votos, ou 40,43% dos válidos, na cidade.

Em 2018, no segundo turno, Maceió já havia sido a cidade do Nordeste que tinha dado a maior votação a Jair Bolsonaro na região proporcionalmente, com impressionantes 61,63% dos votos válidos. A região deu, naquele ano, 68% dos votos válidos ao candidato Fernando Haddad (PT). No Nordeste, há quatro anos, o presidente só havia vencido em 15 cidades, seis delas em Alagoas.

Propaganda de Bolsonaro no bairro do Poço, na capital alagoana  - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Propaganda de Bolsonaro no bairro do Poço, na capital alagoana
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Segundo o vendedor Davi, o item mais procurado do momento é a bandeira para colocar em carros, que custa R$ 10. "As pessoas estão bem mais animadas nesse segundo turno e compram muito", diz ele, antes de dar de presente ao repórter um desses produtos.

Nos bairros de classe alta na orla, a predominância de bandeiras do Brasil chama a atenção. A coluna encontrou pontos de venda de bandeiras de Bolsonaro e do Brasil em ao menos três locais: nos bairros da Gruta de Lourdes e Jatiúca, ambos de classe média alta.

Aliás, não é difícil perceber que os bairros ricos estão com Bolsonaro. As sacadas dos apartamentos luxuosos da orla demonstram predominância quase que total do presidente, com dezenas de bandeiras expostas.

"Achar alguém que more aqui e vote em Lula é muito difícil. E eles falam mal dele com força quando vêm aqui", conta um vendedor de coco.

Bandeiras do Brasil tomam conta dos prédios em frente ao mar na orla de Ponta Verde - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Bandeiras do Brasil tomam conta dos prédios em frente ao mar na orla de Ponta Verde
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Voto no bolsonarismo

Prova da força do bolsonarismo também está nos votos dados não só ao presidente, mas a aliados dele nos cargos de deputado. O estadual mais votado na capital foi o Cabo Bebeto (PL); e o federal, Alfredo Gaspar (União Brasil).

A campanha do presidente ganhou um reforço após o primeiro turno: o prefeito João Henrique Caldas, que surpreendeu ao deixar o PSB e se filiar ao PL. No dia em que decidiu trocar de legenda, foi até Brasília e apareceu ao lado do presidente no Palácio do Planalto.

Ele não só entrou no partido, como abraçou forte o bolsonarismo e passou a fazer campanha para o presidente —algo que não havia feito no primeiro turno.

A saída de JHC era dada como certa após ele assumir o comando do partido sem conseguir eleger nenhum deputado. O acordo com a direção nacional era que ele ficasse no comando do partido apenas se tivesse êxito.

Entretanto, sabia-se que JHC, como é conhecido, inclinava-se mais à direita, porque ele rechaça o nome de Lula e, durante visita do petista no primeiro turno, nem sequer o recebeu, se reunindo com Geraldo Alckmin (PSB).

"Ele sempre esteve nesse campo mais à direita. Mas essa mudança é de olho em 2024. Ele viu a força do bolsonarismo e foi para um partido que possa comandar, mas que também tenha um apoio popular. Ele viu a votação de Bolsonaro aqui e apostou que isso o ajudaria a se reeleger", diz um político local próximo a JHC.

No sábado (15), JHC ao lado de Arthur Lira acompanharam a primeira-dama Michelle Bolsonaro no ato de campanha que ela fez em uma igreja de Maceió. O prefeito, inclusive, ecoou o discurso de que a eleição se trata de uma "guerra espiritual" ao defender voto em Jair Bolsonaro.

JHC (PL) durante evento em igreja de Maceió no dia 15 - Divulgação - Divulgação
JHC (PL) durante evento em igreja de Maceió no dia 15
Imagem: Divulgação

Mas por que Maceió é assim?

Para o cientista político Ranulfo Paranhos, da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), é difícil cravar o que explica Maceió ser tão diferente de outras capitais no Nordeste. Ele diz que isso pode passar pela história pouco atuante do PT em Alagoas.

"O estado nunca teve uma esquerda no sentido de ocupar cargos de mandato eletivo. A Câmara de Maceió só tem um vereador do PT e dessa esquerda mais clássica. A Assembleia Legislativa do Estado idem", afirma.

Um exemplo que ele cita é o próprio PSB, que venceu a eleição para governador em 1998 e 2004, com Ronaldo Lessa, mas depois deixou o campo de esquerda. Após alguns anos, na década passada, Lessa e aliados deixaram o partido e foram para o PDT. Já o PSB acabou dando uma guinada à direita sob o comando de JHC.

"Com o PSB, Alagoas teve seu único momento em que a esquerda teve algum tipo de expressão no estado. Mas foi essa centro-esquerda, ala mais moderada e reformista. O PSB era oposição ao PT e conseguiu de alguma forma crescer e impedir que o PT crescesse", comenta.

Como resultado disso, diz Paranhos, o PT passou a ter apenas um voto espontâneo. "Ele não é um voto de base estruturada, com comitês nos municípios e com nomes de expressão", diz.

Barraca vende produtos ligados a Bolsonaro no bairro da Jatiúca - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Barraca vende produtos ligados a Bolsonaro no bairro da Jatiúca
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Segundo a cientista social e assessora de pesquisa da Casa Galileia Andrea Santos, também não é possível relacionar essa tendência a um número maior de evangélicos —que tendem a votar mais em Bolsonaro, conforme mostram as pesquisas.

"Acho que Maceió tem um crescimento evangélico expressivo, como todo o Brasil, mas nada que se diferencie de outras capitais do Nordeste", afirma.

Acredito que Maceió seja uma cidade de tradição conservadora. Os partidos de esquerda têm uma representação fraquíssima aqui. Os partidos de direita sempre ganharam as eleições presidenciais em Maceió. Não é um momento específico do bolsonarismo."
Andrea Santos, cientista social

Em 2002, por exemplo, Alagoas já havia sido o único entre todos os estados do país em que o candidato José Serra (PSDB) conquistou mais votos do que Lula no segundo turno.

Para entender isso, ela traz aspectos históricos que têm a ver com índices negativos de educação e sociais. "Temos uma elite coronelista e sem formação política-intelectual, que não valoriza seus artistas, seus pensadores —e isso diz muito sobre o seu povo. Esses grupos ainda são ligados a um catolicismo de tradição conservadora", finaliza.