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Favela que virou bairro à beira-mar com Lula volta às palafitas no Recife
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Dez dias depois da posse em seu primeiro mandato, em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) levou seus ministros para conhecerem de perto o que era viver na miséria. Para isso, escolheu a favela de Brasília Teimosa, onde 580 palafitas abrigavam 2.000 famílias.
Ainda em seu primeiro mandato, em um projeto com a Prefeitura do Recife, o local virou um bairro urbanizado da orla, passou a receber a visita de turistas e virou alvo de especulação imobiliária pelo verde do mar.
Porém, o local também esconde novas palafitas erguidas às margens do rio Capibaribe. Com a crise econômica de 2016, as palafitas se espalharam de novo pela cidade - inclusive no bairro de Brasília Teimosa,
Ana Lúcia, 54, mora há sete meses em uma palafita do bairro. Ela vivia nas palafitas do Bode, no bairro do Pina, mas que sofreu um incêndio de grandes proporções em maio.
A família dela foi contemplada na leva de moradores nas obras iniciadas em 2003 e que foram deslocados para o bairro do Cordeiro, no Recife. Ela admite que desistiu de morar na casa devido à distância do rio. Como vive da pesca, ela gostaria de ter uma casa à beira-mar, como é hoje em Brasília Teimosa.
"Moro há pelo menos de 15 anos de palafitas. Eu vivo da pesca, o que queria mesmo era uma casa aqui no bairro. Dizem que não tem condição de fazer casa para pescador aqui, mas é mentira: basta ver as estacas no rio demarcando área para fazer coisa para quem é rico", diz.
Lula vai fazer essas casas. Quem bota fé nele sou eu! Ele foi o melhor presidente.
Ana Lúcia, marisqueira
A também marisqueira Girlene Maria, 45, mora vizinha às novas palafitas e diz que entende o retorno dos barracos à localidade conhecida como Vila Joaquim Gomes, que fica dentro de Brasília Teimosa.
"Faz uns três, quatro anos que eles estão aqui. Ninguém tem casa, não tem nada na vida, então onde tiver espaço, fazem palafitas. Vai ficar com os meninos na rua?", questiona.
Visita e mudança de patamar
O nome Brasília Teimosa vem desde 1947, quando uma ocupação e suas palafitas foram erguidas. Como as casas começaram a sempre ser derrubadas pelas autoridades, e por isso acontecer na mesma época da construção de Brasília, o local ganhou o apelido de teimosa.
Na época da visita de Lula, em 2003, foi José Severino Barros, 58, o Zé da Praia, como é conhecido, quem ciceroneou o então presidente e abriu seu barraco para a comitiva. "Foi um grande prazer", lembra.
Hoje, mora em uma pequena casa à beira-mar erguida dentro do projeto de urbanização feito nos meses seguintes após a visita de Lula. "Agora está muito melhor, antes era só barraco. Temos lazer, mudou bastante, estou confiante no governo dele".
A mudança de patamar do bairro agrada até quem votou em Jair Bolsonaro (PL) em outubro.
O pescador Mizael Bezerra, 40, mora desde os três anos em Brasília Teimosa e testemunhou os avanços pela urbanização do bairro.
"O bairro passava muita dificuldade, não tinha mobilidade. Depois que Lula assumiu, com o prefeito João Paulo, tiraram as palafitas. Aqui também era um dos locais mais criminosos do Recife, e hoje a gente vê a beleza da orla. A gente diz agora que mora na orla da zona sul".
Apesar disso, diz que não votou no presidente eleito. "Sou eleitor pela ideologia de família", explica.
Sobre o governo de Lula, diz que acredita em uma boa gestão, mas teme que pessoas no governo atrapalhem ele.
Quem está por trás dele pode prejudicar porque são pessoas de uma ideologia totalmente diferente do que ele quer fazer. Não tenho nada contra Luiz Inácio, mas quem tá por trás."
Pescador Mizael Bezerra
Especulação imobiliária
Carolina Patrícia de Santos, 45, atua como uma líder comunitária e coordenadora da fábrica de Vassouras Ecológicas no bairro. Ela afirma que a orla de Brasília Teimosa se tornou alvo de uma pesada especulação imobiliária. "A gente está ao lado da praia do Pina e perto de Boa Viagem. Cada vez chegam mais perto daqui porque estamos na orla", diz.
Por conta disso, o UOL viu que no bairro já há pequenos prédios construídos e até um bar de alto luxo.
Aqui é uma zona de expansão territorial. Eles compram casas, levantam os andares, e a gente tem está perdendo parte da nossa área. Eles estão se chegando."
Carolina Patrícia de Santos
Ela lembra que, agora bairro, Brasília Teimosa tem hoje uma boa infraestrutura social. "Hoje você tem três escolas do ensino médio, três da prefeitura, uma creche, centro de referência da mulher, duas unidades de saúde. Todas as ruas são asfaltadas. O que sofremos é ainda com saneamento básico", conta.
Projeto para acabar (de novo) com palafitas
A coluna procurou a Prefeitura do Recife, que afirma manter "diálogo constante com os movimentos sociais" e diz entender que "a pauta da habitação popular passa por uma ampla discussão que envolve não somente o município, mas fundamentalmente o governo federal, ente federado com maior capacidade para realização de investimentos em moradia social."
O município cita que, "com a extinção de programas como 'Minha Casa Minha Vida', o Brasil passou a conviver com a descontinuidade de importantes ações habitacionais com o foco na entrega de moradias dignas à população, ao passo que deixou de combater o déficit habitacional no País."
A área, diz, será contemplada no recém-criado ProMorar (Programa de Requalificação e Resiliência Urbana em Áreas de Vulnerabilidade Socioambiental), que vai investir R$ 1,3 bilhão.
"A Prefeitura do Recife esclarece que está fazendo o levantamento das famílias que vão ser incluídas no projeto de requalificação das margens do Rio Pina. Os moradores de palafitas da área foram cadastrados e 600 deles irão morar nos habitacionais Encanta Moça I e II, que serão entregues no primeiro semestre de 2023, enquanto que os residentes em casas de alvenaria vão ser indenizados."
Ainda de acordo com a prefeitura, as margens do rio serão urbanizadas com a implantação de um parque linear. "O projeto está em fase de apresentação para a comunidade e prevê investimentos em torno de R$ 40 milhões. Uma vez concluídas as discussões, a obra será licitada."
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