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De Alok a Ivete: invasão pop reduz forró do São João e gera críticas no NE
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As principais festas de São João no Nordeste estão sendo tomadas por artistas do mercado pop, deixando cada vez mais de lado a tradição junina do forró dominar essa época do ano. A "invasão" gera críticas de artistas e produtores, que reclamam de uma desvalorização nos últimos anos da música local.
Hoje, artistas como Alok e Ivete Sangalo são atrações nas maiores festas da região, que também promovem shows religiosos e, principalmente, de nomes do sertanejo.
Redução de show incomodou
O debate sobre a redução do forró nessas festas teve um caso marcante neste ano: no dia 2 junho, o cantor paraibano Flávio José teve o show encurtado a pedido da produção na festa de Campina Grande (PB).
A alegação era que seria necessário destinar mais tempo à apresentação do sertanejo Gusttavo Lima — que cantou por mais de 2h30. Na época, a organização do evento negou essa relação, mas reconheceu que o show foi "suprimido em alguns minutos" devido a um erro de cronograma.
Flávio não gostou e fez um desabafo dizendo que "não tenho nenhum show para sair correndo e fazer". O fato gerou repercussão e apoio de outros forrozeiros.
Em nota, a organização do São João de Campina Grande, feita pela empresa Arte Produções, Grande afirma que das 102 atrações do palco principal, "69 cantores são do gênero forró e suas variações, como piseiro, estilizado, vaquejada e das antigas." Artistas do Nordeste representam 85% do total.
A Arte Produções reconhece que houve "falha no roteiro" no caso envolvendo o cantor Flávio José, e, por conta disso, precisou "diminuir 13 minutos da apresentação." O caso gerou pedido de desculpas da empresa e da prefeitura.
Após o episódio, a empresa ficou ainda mais rígida na execução da festa para que seja uma experiência incrível para todos os presentes." Arte Produções, em nota
O episódio lembra 2017, quando a cantora Elba Ramalho alfinetou a presença de sertanejos no São João do Nordeste.
Não tenho nada contra nenhum artista, nada contra nenhum sertanejo, acho que tem espaço para todos. Porém eu não canto na festa de Barretos. Dominguinhos também não cantava. A festa é deles, é dos sertanejos. Eles têm essa coisa: 'essa área é nossa'"
Elba Ramalho
Invasão se espalha
Todas as grandes festas da região fazem programações com artistas que não tocam forró. No tradicional São João de Caruaru (PE), a programação da "capital do forró" também é recheada de atrações que tocam outros ritmos.
Na noite de abertura, por exemplo, a grande atração foi a cantora de axé Ivete Sangalo. Nomes como Leonardo, Zezé di Camargo e Luciano, Daniel, Gusttavo Lima e vários outros sertanejos também são destaque. A cantora gospel Aline Barros também foi estrela do palco principal na noite do dia 8.
Poderiam pelo menos não trazer artista de fora e de outros ritmos para fazer a abertura do São João. A perda do espaço já começa aí; a gente fica um ano sem forró, e quando começa é com artista de fora, mesmo tendo gente boa aqui."
Joana Angélica, cantora de forró há 60 anos e batizada por Luiz Gonzaga
Em Maceió, que desde o ano passado investe pesado para ter a maior festa junina entre as capitais da região, a noite de hoje, véspera de São João, terá o DJ Alok como principal atração.
Os artistas começam a se apresentar hoje no palco principal, no bairro de Jaraguá, e mais da metade da programação no local não é de cantores/bandas de forró. Por lá, predominam os sertanejos. Procurada, a FMAC (Fundação Municipal de Ação Cultural) não respondeu.
Enquanto isso, é raro ver nomes tradicionais como Alceu Valença, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Jorge de Altinho e Alcymar Monteiro, se apresentarem nas maiores festas.
Como você dá o melhor palco e o melhor horário para uma pessoa de uma cultura que não tem nada a ver com a gente? Isso atende a patrocinadores, que deveriam pagar para aparecer na festa como ela é, e não fazer uma festa que como eles querem. O São João tradicional do povo não existe mais."
Antônio Preggo, produtor cultural
Público que pede, diz Caruaru
O secretário de Comunicação de Caruaru, Thiago Azevedo, explica que o São João na cidade é composto por 25 polos, com 1,2 mil apresentações.
Os artistas de fora do forró são minoria, segundo Azevedo.
Quase 80% são artistas regionais. Em todos os polos o forró predomina, mas outras atrações que são pedidas pelo público, pelo patrocinador, são atendidas. Aqui tem espaço pra tudo e todos." Thiago Azevedo
A prefeitura chegou a fazer uma enquete na internet, que apontou a cantora Joelma como a mais desejada na programação deste ano.
Veja o ano passado no dia de Wesley Safadão: Ele não veio por motivos de doença, foram só atrações regionais no palco. O povo não veio prestigiar."
Thiago Azevedo
Regulamentação debatida em Pernambuco
A discussão sobre a "invasão" de ritmos no São João foi debatida em uma audiência pública em Caruaru na semana passada, que ouviu a mesma crítica de artistas.
O que a gente vem observando é a desvalorização da cultura popular em detrimento das bandas midiáticas, com cachês milionários. Temos uma porcentagem ínfima para artistas locais e populares, e muito mais para pagar essas bandas de fora."
Rosa Amorim (PT), deputada estadual de Pernambuco e propositora da audiência
Ela afirma que pretende levar a discussão à Assembleia Legislativa de Pernambuco.
Nós precisamos fazer esse debate da regulamentação, que é muito delicado, mexe com interesse econômico privado. Mas é necessário porque temos o risco de ver uma cultura tradicional ser praticamente extinta."
Rosa Amorim
Outras festas convivem com mesmo problema
Para Victor Pires, professor e pesquisador na área de mídia e música ao vivo da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), o tema é complexo e não se resume ao São João: nas festas de Carnaval de Salvador e do Recife também se debate perda de espaço para artistas tradicionais.
"Essa discussão de 'pop versus forró e ritmos tradicionais' é só uma parcela do problema", diz, citando a ideia de que os "eventos multiculturais" se propõem a abrir espaço para tendências do momento para atrair mais pessoas.
O modelo de festa popular hoje acaba sendo pensada muito para atrair grandes públicos. As cidades negociam com o turismo para atrair gente de fora. E isso traz uma dificuldade em negociar com esses gêneros tradicionais, que deveriam ser o eixo dorsal do evento."
Victor Pires
Nesse caso, o próprio governo "acaba reforçando o estigma do artista tradicional ao colocar eles para tocar em palcos menores, mais afastados e com condições mais precarizadas."
Sem políticas públicas decentes quem pensem em formação de platéias e curadorias antenadas com a tradição e representação de classe, gênero, raça e também geopolítica, vamos ficar sempre girando no mesmo lugar."
Victor Pires
Forró, patrimônio imaterial
Em 2021, o forró foi reconhecido como patrimônio imaterial da cultura nacional pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Joana Alves, coordenadora do Fórum Nacional do Forró de Raiz, diz que está sendo debatido agora com o Iphan um plano de salvaguarda de patrimônio, que vai apontar direcionamentos para "salvar" o forró.
Com o advento do agronegócio, a música dá muito dinheiro. Como os prefeitos não investiram na capacitação de artistas, pessoas com verba se agruparam para construir uma ação e eles foram invadindo o mercado."
Joana Alves
Nesse processo, diz, os artistas de forró foram ficando "despercebidos".
Eles eram preocupados só em compor, cantar, não na produção. E quem estava de olho no negócio foi tomando conta. Hoje o São João virou uma festa para jovens beberem. O que Flávio José fez foi um grito de alerta."
Joana Alves
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