Carlos Madeiro

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Vítimas acionam MPF contra União e AL após afundamento de bairros em Maceió

A Associação de Empreendedores e Vítimas da Mineração em Maceió ingressou com uma representação criminal no MPF (Ministério Público Federal) em Alagoas cobrando que o órgão entre com uma ação penal em um prazo de até 15 dias contra a Braskem e órgãos de Alagoas e do governo federal.

O que aconteceu

Empresa e três órgãos públicos devem ser responsabilizados, diz a associação. Para os advogados, há indícios suficientes de que a petroquímica, o IMA (Instituto do Meio Ambiente de Alagoas), o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico) e a ANM (Agência Nacional de Mineração) praticaram crimes ambientais que contribuíram —por omissão ou financiamento—para o afundamento de solo em cinco bairros de Maceió.

As penas dos crimes indicados variam de um a seis anos de prisão, mais multa. Em síntese, a empresa e os três órgãos públicos são acusados, pela associação, de poluição — que tornou a área imprópria para a ocupação humana — e de apresentar laudo falso ou enganoso.

O episódio na capital alagoana é considerado o "maior desastre socioambiental em área urbana em curso no mundo". Desde 2018, a tragédia já expulsou de casa ou de seus negócios 60 mil pessoas.

A associação foi criada em 12 de fevereiro de 2019 e é uma das entidades que representa moradores e empresários que foram afetados pela mineração da Braskem.

Importa destacar que muitos crimes que ainda deveriam ser imputados aos responsáveis já podem estar prescritos, após todos esses longos anos desde o primeiro evento sismológico, em 2018, e das perícias feitas pelo SGB [Serviço Geológico do Brasil] e pelo próprio MPF, por isso as medidas repressivas aqui propostas são urgentes.
Representação criminal

O maior crime socioambiental do mundo em área urbana não pode passar impune. Acordos unilaterais, sem a participação das vítimas, que só privilegiaram o poderio econômico da Braskem, jamais poderiam ser usados como desculpas para a não responsabilização criminal da mineradora. Esperamos que o MPF cumpra seu papel constitucional.
Alexandre Sampaio, presidente da associação

O MPF confirmou o recebimento da representação e informou que ela será analisada.

2.mai.2021 - Prédio centenário que mais recentemente abrigava a casa de Saúde José Lopes, no bairro de Mutange, em Maceió
2.mai.2021 - Prédio centenário que mais recentemente abrigava a casa de Saúde José Lopes, no bairro de Mutange, em Maceió Imagem: Beto Macário/UOL
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O que diz o documento

O UOL teve acesso à representação criminal. Com 186 páginas, fora os anexos, ela faz um histórico do caso e mostra documentos levantados pela associação entre junho e agosto de 2023.

Os advogados apontam que pelo menos duas licenças ambientais foram realizadas em "grave desacordo com as normas ambientais". Trata-se das duas últimas licenças expedidas para extração da salgema em 2016 e 2017 — a associação alega que não teve acesso a documentos de licenças anteriores.

Restou flagrantemente caracterizado que essas licenças foram expedidas sem o prévio e necessário Estudo de Impacto Ambiental e seu Relatório (EIA/RIMA).
Representação criminal

Braskem mais do que triplicou o número de poços, segundo os advogados. O relatório ambiental apresentado pela empresa é de 1986, quando havia apenas 11 poços, e o projeto da petroquímica evoluiu para 38, além de alterações na área de mineração, na quantidade de rejeitos, no número de empregados envolvidos, entre outros fatores.

É evidente, portanto, que o projeto teria que ser reavaliado ambientalmente com um estudo correto e atualizado -- o que era para ser feito nas duas licenças citadas acima.
Representação criminal

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A ANM, órgão responsável por autorizar atividades de mineração do país, teria sido omissa. "Pelo menos desde 2015 a ANM já suspeitava da existência de subsidência do solo, desmoronamento das paredes e teto das cavidades e instabilidade do subsolo."

(...) Ela [a ANM] poderia ter constatado as graves fraturas no solo e afundamento dos bairros em uma de suas vistorias.
Representação criminal

Críticas ao financiamento do BNDES à empresa. A alegação é que o banco público teria "subsidiado financeiramente por longo tempo as atividades minerárias da Braskem sem o devido controle".

A iniciativa que estamos encaminhando é uma forma de evidenciar ao MPF e à sociedade que todos os elementos necessários ao encaminhamento das questões criminais relacionadas ao desastre ambiental sempre estiveram à disposição; portanto, as vítimas desse crime esperam a responsabilização dos seus algozes e tais medidas não podem ser abdicadas pelo estado.
Gabriel Bulhões e João Batista Barbosa, advogados autores da ação

Rua abandonada após afundamento no bairro do Pinheiro, em Maceió
Rua abandonada após afundamento no bairro do Pinheiro, em Maceió Imagem: Carlos Madeiro/UOL

O que dizem os órgãos públicos

Em nota, a ANM informou que a exploração de salgema está proibida desde 2019 em Maceió. Sem dar mais detalhes, diz que "controlou e fiscalizou as atividades realizadas pela Braskem SA ao longo dos anos, dentro da sua competência legal e em cumprimento às disposições do Código de Mineração e legislação correlata, com os recursos e meios disponíveis à época".

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A autarquia minerária realizou vistorias na área de concessão de lavra da Braskem, exigindo dados/informações e determinando diligências à empresa, muito antes do aparecimento da fissura (15/02/2018) e do tremor de terra ocorrido na região (03/03/2018).
ANM

O IMA afirmou que até ontem não foi notificado e que, "tão logo tome ciência do processo, adotará todas as medidas cabíveis, juntamente com a Procuradoria Geral do Estado de Alagoas (PGE)".

O BNDES diz que sua relação com a Braskem "seguiu estritamente os regulamentos do Banco para apoio às empresas brasileiras".

Sob a ótica acionária, o BNDES sempre foi acionista minoritário, condição que não confere atuação executiva nem decisória sobre os negócios ou o dia-a-dia da empresa. No que diz respeito às operações de crédito, elas foram lastreadas nas condições cobradas de todos os demais clientes, dentre as quais inclui-se a documentação exigida pela legislação, notadamente licenças ambientais.

Procurada ontem pela coluna, a Braskem não se manifestou até o momento.

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