Carlos Madeiro

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Partido Novo aciona STF contra norma que veda uso religioso da psicologia

O partido Novo e o IDBR (Instituto Brasileiro de Direito e Religião) acionaram o STF para derrubar uma resolução do CFP (Conselho Federal de Psicologia) que vedou a associação da atividade profissional a crenças religiosas e a práticas que estimulem ou sejam omissas à intolerância.

Debate sobre o tema

A resolução foi publicada em abril, após ser aprovada por todos os Conselhos Regionais de Psicologia dos estados. O debate técnico sobre o tema não é novo: para fazer a norma, um grupo de estudos se debruçou no CFP por dez anos.

A medida é criticada por grupos religiosos, que defendem que ela fere o direito ao livre culto religioso no país.

É importante ressaltar que o Estado é laico, mas as pessoas não são. As pessoas, incluindo os psicólogos, podem aderir ou professar uma religião e de forma pública, enquanto o Estado não pode fazê-lo.
Thiago Rafael Vieira, presidente do IBDR

A norma não quer dizer que a psicologia nega entender a importância ou é contrária à religião. Laicidade é o respeito a todas elas. O que a psicologia fala aqui é que a religiosidade importa para construção humana, mas que precisamos separar dogma e fé da ciência e do exercício profissional.
Pedro Paulo Bicalho, presidente do CFP

Procurado, o advogado representante do Novo na ação não respondeu aos e-mails da reportagem entre segunda a quarta-feira.

A resolução proíbe o profissional de:

  • utilizar o título de psicólogo associado a vertentes religiosas;
  • associar conceitos, métodos e técnicas da ciência psicológica a crenças religiosas;
  • Induzir a crenças religiosas ou a qualquer tipo de preconceito;
  • praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão à crença religiosa;
  • exercer ação que promova fundamentalismos religiosos e resulte em racismo, LGBTI+fobia, sexismo, xenofobia, capacitismo ou quaisquer outras formas de violação de direitos;
  • utilizar, como forma de publicidade e propaganda, suas crenças religiosas.
A psicóloga e o psicólogo, no exercício profissional, devem utilizar princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional, e considerar a laicidade como pressuposto do Estado Democrático de Direito, fundado no pluralismo e na garantia dos direitos fundamentais.
Resolução do CFP
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Nova 'cura gay'?

O argumento de liberdade pessoal é similar ao usado por grupos que atacaram também na Justiça a proibição da chamada cura gay, que chegou a ter decisões favoráveis, mas foi vetada em definitivo pelo STF em 2019.

Desde 1999, a chamada cura gay está proibida por resolução CFP, que se baseou que, se a homossexualidade não é doença, não existe cura. Em 1990, a homossexualidade deixou de ser considerada doença pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Entretanto, alegando censura, uma decisão judicial do Distrito Federal a uma ação popular liberou para que psicólogos pudessem realizar a prática entre setembro de 2017 a abril de 2019, até que o mesmo STF barrou a cura gay a pedido CFP.

Segundo Pedro Paulo, o conselho sempre enfrentou resistência de grupos mais radicais para implantar medidas que se baseassem na ciência.

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A resolução foi feita para os grupos que não entenderam a separação de religiosidade e ciência.
Pedro Paulo Bicalho, presidente do CFP

Norma fere Constituição, diz ação

A ação direta de inconstitucionalidade tem um pedido de liminar (decisão temporária) para suspensão da norma até o julgamento do caso. O processo está pronto para decisão do ministro Alexandre de Moraes, sorteado para relatar o caso.

No caso, a presença do IBDR na ação ainda vai ser analisada, porque uma Adin só pode ser proposta pelos presidentes da República, do Senado, da Câmara ou de assembleia legislativa, além de OAB, procurador-geral da República, partido político e entidade sindical de âmbito nacional,

Na ação, os advogados afirmam que o uso da religião nas sessões é "assegurada em razão da previsibilidade constitucional."

Além de violar os preceitos constitucionais fundamentais, bem como adotar modelo de laicidade não vigente no país, por previsão constitucional, vai de encontro, também, contra a óptica e todo histórico de defesa das liberdades de religião e de crença que o próprio CFP detém.
Trecho da ação do Novo e do IDBR

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O presidente do IDBR diz que o direito de usar uma crença religiosa "é inviolável e não pode ser objeto de restrições impostas pelo CFP.

A palavra-chave aqui é 'vedado', o que implica uma proibição total. Um psicólogo ou psicóloga que seja religioso sempre estará preocupado com a possibilidade de ser punido pelo conselho profissional. Esses incisos são ambíguos e podem levar à interpretação de que um psicólogo não pode incluir textos de livros sagrados ou símbolos religiosos em seu site, redes sociais ou em seu consultório.
Thiago Rafael Vieira

Defesa da norma

Sobre a ação, o CFP explica que a defesa jurídica ainda está sendo construída, mas a ideia é unir forças de todos os grupos e reforçar a necessidade de separar fé e ciência.

A estratégia que temos é a articulação com todos os conselhos regionais e vamos convocar a população a defender ela conosco. Foi essa a estratégia que deu certo na ação que questionou a 'cura gay.'
Pedro Paulo Bicalho

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Para ele, a análise técnica feita por um conselho de classe deve prevalecer sobre outros argumentos, e a expectativa é que o STF dê nova vitória ao CFP. Bicalho afirma que a profissão foi regulamentada para proteger a sociedade do mau exercício da psicologia.

Reportagem

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