Carlos Madeiro

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Reportagem

Como a seca na Amazônia pode bagunçar o clima em outras áreas do Brasil

A seca extrema que a Amazônia enfrenta deve também afetar outras regiões do país. O bioma é um regulador do clima e das chuvas em outras áreas do Brasil e também em países vizinhos que sofrem influência do clima amazônico.

Uma seca da Amazônia pode impactar porque ela é fonte de umidade para outras áreas da América do Sul, em especial a Bacia do Prata, parte da costa norte do Peru e, às vezes, da região do cerrado próximo à caatinga do Nordeste. Tudo isso é um desarranjo no sistema climático, que tem piorado pelo El Niño e também pelo aquecimento global.
José Marengo, climatologista e coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais)

Entenda o que ocorre

A estiagem tem afetado em especial o estado do Amazonas, que na semana passada decretou emergência devido à baixa histórica dos níveis dos rios. Até o ano letivo de escolas ribeirinhas foi encerrado mais cedo em Manaus, pela falta de navegabilidade dos rios.

Seca atual é fora de um padrão conhecido para o local. A região convive com estiagens no verão, e não na primavera, como ocorre agora. Marengo diz que, apesar de um intenso El Niño, o aquecimento das águas do Atlântico Norte tem sido importante para causar a seca.

O climatologista afirma que o evento atual torna o cenário dos próximos anos ainda mais incerto.

Temos visto eventos cada vez mais extremos. Como exemplos, as ondas de calor e as chuvas intensas em poucos dias. São sinais de que o aquecimento global está alterando bastante todas as situações do El Niño. Tem coisas que estão aparecendo sem precedentes, como essa seca de primavera. Isso dificulta prever o que ocorrerá.
José Marengo

Vista geral do lago Tefé, afluente do Solimões, que foi afetado pelas altas temperaturas e pela seca
Vista geral do lago Tefé, afluente do Solimões, que foi afetado pelas altas temperaturas e pela seca Imagem: REUTERS/Bruno Kelly

Bolhas de ar quente podem ser formadas e provocar redução de chuvas em outras regiões. Há nove anos, o estado de São Paulo sofreu com uma forte seca, os rios ficaram com pouca água e o nível de reservatórios (como o da Cantareira) caiu.

Em 2014, por exemplo, se formou essa bolha de ar quente que não deixava a frente fria do Sul entrar, e assim a umidade da Amazônia não conseguia chegar ao Sudeste. Nessa época, Rondônia e Acre tiveram extremos intensos de chuva.
José Marengo

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O climatologista explica que a seca atual deve afetar pouco as chuvas no chamado corredor agrícola, que leva umidade da Amazônia para áreas de produção em estados como Goiás e Mato Grosso. "Ela tem mais impacto entre dezembro e fevereiro [quando ocorre a quadra chuvosa da Amazônia]. É quando há uma estação chuvosa em São Paulo, em Goiás, em todas essas áreas [que recebem essa umidade]."

Floresta é importante para chuvas em outras regiões

Seca extrema como essa na Amazônia afeta outras áreas inevitavelmente. O meteorologista Humberto Barbosa, coordenador do Lapis (Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites da Universidade Federal de Alagoas), explica que a floresta amazônica desempenha um papel essencial na regulação do clima global.

Mapa da seca: a pedido da coluna, o meteorologista produziu a imagem abaixo que utiliza dados da umidade do solo, déficit de chuva, índice do vigor vegetativo e volume dos corpos d'água.

Mapa mostra intensidade da seca severa em boa parte da Amazônia
Mapa mostra intensidade da seca severa em boa parte da Amazônia Imagem: Lapis/Ufal

Umidade da floresta abastece um "rio atmosférico", que despeja chuvas torrenciais até o litoral norte de São Paulo, segundo o especialista.

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O fenômeno se origina na Amazônia, desce pelo interior do continente, no sentido do Centro-Oeste ao Sudeste ou ao Sul do Brasil, onde provoca chuvas volumosas. É por isso que se costuma destacar o quanto as chuvas nessas regiões brasileiras dependem da floresta amazônica.
Humberto Barbosa

Secas anteriores e desmatamento ampliam o problema. O meteorologista cita que a atual estiagem já encontrou um bioma mais fragilizado pelas secas de 2005 e 2010 e pelo aumento desenfreado do desmatamento nos últimos anos.

Ambas secas sem precedentes [em 2005 e 2010] causaram grandes perdas florestais. As secas prolongadas contribuíram para aumentar a taxa de desmatamento, observada a partir de imagens de satélite, nos últimos anos, levando à aceleração da degradação das terras na bacia amazônica.
Humberto Barbosa

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