MP investiga venda de hotel que pode ameaçar símbolo turístico de Maceió
O MP (Ministério Público) de Alagoas abriu investigação sobre a venda e o que será feito com o Hotel Jatiúca, marco inicial e símbolo do turismo em Maceió, cidade mais vendida como destino turístico do país, segundo rankings recentes da CVC e da Decolar.
A notícia da venda foi feita pelo site local Agenda A e abriu de imediato uma crítica sobre a falta de debate e eventuais riscos urbanísticos à área de 62 mil m², que entrelaça construções baixas, coqueiros e a lagoa da Anta. Parte da área tem acesso público. O hotel segue funcionando normalmente.
O MP já se antecipou para colher dados formais sobre esse empreendimento imobiliário, onde ele será e quais são as pretensões. A ideia é fazer uma atuação preventiva.
Jorge Dória, promotor
Para conseguir às informações, o MP mandou ofícios aos grupos vendedor e comprador e à Semurb (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo) e deu prazo de 15 dias para resposta. "Queremos saber se o projeto não desconfiguraria o bem paisagístico do local; e a partir daí, tomar providências."
Por que o debate
O projeto da construtora Record, que adquiriu o local, é erguer prédios residenciais na área. O receio dos urbanistas é como serão esses prédios e de que forma eles podem impactar a paisagem e o passeio de uma das principais praias da capital alagoana.
Além disso, há um apego histórico do maceioense ao hotel que foi inaugurado em 1979 (veja mais abaixo) e fez o turismo crescer na cidade, atraindo artistas e turistas.
Do ponto de vista de paisagem, é um local muito rico, é o marco zero do turismo no estado. Dali surgiu o bairro, e a falta de debate do que vai ser feito naquele é muito estranho.
Dilson Ferreira, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Ufal (Universidade Federal de Alagoas)
A preocupação de especialistas e do MP é porque dentro do resort hoje não há prédios altos (no máximo dois andares), preservando a paisagem e vista para o mar, além de manter áreas verdes e passeios públicos, como a ciclovia em seu entorno.
Dilson explica que o Estatuto das Cidades —marco que rege os planos diretores e debate urbanístico no país— obriga que intervenções privadas de empreendimentos tenham de realizar estudos de impacto de vizinhança, e isso estaria sendo ignorado na cidade.
Você tem que apresentar e escutar a comunidade, não pode ser sigiloso. Se a construtora diz que é um projeto em que essa harmonia não vai ser quebrada, que o uso público do hotel não vai ser quebrado, porque é secreto?
Dilson Ferreira
Prefeito à época da inauguração do hotel, Fernando Collor também comentou, em entrevista ao seu jornal Gazeta de Alagoas, a preocupação com a mudança de rumos do local.
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Quero receberA construção do hotel preservou os coqueiros e, para cada um coqueiro que tivesse de ser derrubado, foram plantados outros dez. Então, tivemos toda uma especial preocupação para impulsionar o turismo de nossa cidade, mas com respeito à natureza. Temos que estar atentados para que projetos sem essa visão de compromisso transforme o Jatiúca em uma selva de pedras.
Fernando Collor
A bióloga e ativista Neirivane Nunes explica que há uma preocupação com o projeto porque haveria histórico de outros empreendimentos que "desconsideram totalmente a legislação ambiental, ignoram o Código Municipal de Meio Ambiente de Maceió e o seu plano diretor."
Qualquer intervenção em uma região ambientalmente frágil pode resultar em danos irreversíveis. A lagoa da Anta historicamente já vem sendo ameaçada. Além de tudo isso, o controle social sobre o que é feito na cidade é desrespeitado: não há audiências públicas, nem apresentam os estudos necessários.
Neirivane Nunes
Habitações sim, mas projeto em estudo
Em contato com o UOL, o diretor comercial da construtora Record, Wagner Andrade, confirmou que haverá, sim, imóveis residenciais na área, mas diz que o debate ainda está em fase inicial.
Não existe um projeto definido ainda. Estamos em um processo de estudos. Mas vamos manter 80% de tudo que está lá, melhorando, preservando área verde e atualizando o empreendimento hoteleiro, mas com algumas unidades habitacionais.
Wagner Andrade
Ele diz que a compra abriu uma uma "especulação imensa" sobre o projeto, inclusive com argumentos de riscos ambientais —que seriam mentirosos.
Tem gente falando bobagens que vamos derrubar [coqueiros], aterrar [a lagoa]. É conversa de gente que não tem o que fazer, alguns que queriam era ter feito esse negócio.
Wagner Andrade
O UOL tentou contato com o diretor do hotel Jatiúca, mas não houve retorno.
A Semurb informou que não havia recebido, até esta terça-feira (7), nenhum processo para a construção no hotel Jatiúca. "Mediante a isso, não é possível, ainda, a análise de possíveis impactos ambientais e urbanísticos na região pela ausência da apresentação de projetos a serem realizados no local."
Sobre o hotel
O Hotel Jatiúca S.A. pertencia ao grupo Arthur Lundgren Tecidos S.A., da família que controla as Casas Pernambucanas. Ele foi construído no final dos anos 1970 e inaugurado em 1979.
O resort tem uma grande estrutura e ocupa uma área mista: a parte entre a lagoa e o mar é de domínio da União para uso do hotel; e a outra parte foi comprada de um loteamento que existia ao lado da lagoa.
A cessão da área foi feita pelo poder público com a ideia de alavancar o turismo em Alagoas nos anos 1980, e a missão parece ter dado certo: o resort foi pioneiro no Brasil em instalações beira mar e até hoje é um dos únicos urbanos "pé na areia" do país.
A boa fama fez o hotel ser visitado frequentemente por artistas e colocou Maceió no roteiro de realização de grandes eventos. Isso ajudou a colocar a capital alagoana como destino turístico importante no Nordeste.
O bairro se urbanizou na esteira do hotel e se desenvolveu: segundo o índice FipeZap+, tem hoje o 5º metro quadrado mais caro do Nordeste (R$ 8,7 mil). É lá que estão diversos outros prédios, hotéis (simples ou de luxo), restaurantes e pontos de artesanato e comidas típicas.
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