Carlos Madeiro

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Como material achado na seca ajuda a explicar vida pré-colonial na Amazônia

As aparições de sítios arqueológicos desconhecidos e de materiais encontrados ao longo do curso de rios secos na Amazônia podem ajudar pesquisadores a entender a forma como indígenas pré-coloniais viveram e sobreviveram a períodos de estiagens na Amazônia.

Desde outubro, a baixa do nível dos rios levou pesquisadores a encontrarem imagens rupestres, peças e até um forte do Exército usado em épocas diferentes.

Agora, arqueólogos acreditam que a seca sem precedentes na história recente da Amazônia pode ajudar a confirmar hipóteses de como o homem pré-colonial usou bem estratégias para lidar com as variações climáticas.

Mudanças climáticas há mais de mil anos

Houve uma sequência duradoura de ocupação humana que também transformou a paisagem na Amazônia, segundo o arqueólogo e professor da UFOPA (Universidade Federal do Oeste do Pará), Claide de Paula Moraes, com base na fase atual dos estudos.

Essas transformações incluíram o surgimento de grandes assentamentos humanos por volta do ano 1000. Depois disso, os registros mostram que elas enfrentaram dificuldades para manter o seu modo de vida.
Claide de Paula Moraes, arqueólogo e professor da UFOPA

Estiagem atual reforça hipóteses sobre mudanças climáticas há mais de mil anos. As pesquisas sobre aquela época, diz o arqueólogo, mostraram que povos provavelmente vivenciaram, em algum momento, secas intensas como as de agora, além de terem ocorrido conflitos entre diferentes grupos e epidemias.

A seca agora nos mostra um registro de que é provável que, por volta do ano 1000, ocorreram períodos de secas intensas a ponto de deixar expostas naquela época pedras que hoje passam a maior parte do tempo submersas.

O arqueólogo cita que a Amazônia sempre teve clima instável. Por isso, ele acredita que as populações primaram pela diversidade produtiva para sobreviver a essas variações de tempo.

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Nós sabemos, por exemplo, que eles cultivavam milho, mandioca e pescavam muito, mas nunca deixaram de manejar outras plantas da floresta e animais. Exemplo: se o milho não desse boa produtividade durante uns cinco anos, era apenas uma parte pequena do que aquela população precisava.

Pinturas rupestres do sírio Lajes, que ficaram em área seca do rio Negro, em Manaus
Pinturas rupestres do sírio Lajes, que ficaram em área seca do rio Negro, em Manaus Imagem: Guilherme Silva/Iphan

Seca intensa há 4 mil anos

A floresta viveu ao menos um grande período de seca há cerca de 4 mil anos, afirma o diretor-adjunto científico do Museu da Amazônia, Filippo Stampanoni Bassi. Porém, não há certeza sobre as estratégias usadas naquela época para enfrentar as estiagens.

O que estamos vivendo agora são mudanças com ritmo mais rápido, que não permite adaptação.
Filippo Stampanoni Bassi, do Museu da Amazônia

Sabemos que as populações usavam diferentes ambientes, podiam ter algumas estratégias de mobilidade. É preciso entender que as mudanças climáticas espaçadas em longo tempo possibilitam que as populações se adaptem.

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Parte do material que aparece hoje por conta da seca gera dúvidas sobre qual foi o comportamento dos rios ao longo do tempo. Esses rios podem ocupar hoje áreas que eram secas num passado distante, explica Bassi.

Pode ser que o nível médio dos rios fossem baixos, ou a sedimentação diferente de hoje. Ou essas pinturas, por exemplo, podem ter sido feitas em períodos de seca. É bem difícil trazer conclusões.

Uma das certezas dos pesquisadores, diz Filippo, é que havia alguns locais onde hoje correm rios que foram ocupados por indígenas de forma permanente por milênios.

A seca também é uma fase de fartura: é melhor para colocar armadilhas de pesca; rochas serviam para renovar instrumentos de pedra; era melhor para queimadas e fazer a roça. Ela traz oportunidades, em alguns casos até mais do que as cheias.

Seca do rio Negro no sítio arqueológico Lajes, em Manaus
Seca do rio Negro no sítio arqueológico Lajes, em Manaus Imagem: Valter Calheiros/Arquivo pessoal

E onde estavam os rios?

Novos sítios descobertos permitem debate sobre o local de ocupação dos indígenas e onde corriam os rios, pondera o arqueólogo Jaime Oliveira, do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

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Uma ideia é que o curso de alguns rios era mais baixo antigamente. Mas, no período pré-colonial, pode ter vivenciado períodos de seca e estiagem. São situações para nós desenvolvermos a pesquisa.
Arqueólogo Jaime Oliveira, do Iphan

O arqueólogo diz que algumas pesquisas avançaram, ao longo das últimas três décadas, na descoberta de costumes de povos amazônicos, que viveram uma ocupação com características já conhecidas.

O que a gente pode constatar, não só pelas evidências da seca, mas por outras pesquisas históricas, é que na Amazônia havia sociedades com organizações complexas, com adensamento populacional grande.

Segundo o Iphan, a seca revelou ao menos quatro novos sítios arqueológicos, além de outros locais que foram informados com prováveis descobertas arqueológicas

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