Carlos Madeiro

Carlos Madeiro

Siga nas redes
Reportagem

Seca do rio Negro revela gravuras rupestres indígenas pré-coloniais no AM

A seca histórica no rio Negro fez aparecer imagens rupestres de indígenas que habitaram a Amazônia séculos antes da invasão dos colonizadores portugueses e ajudam a entender um pouco mais sobre os povos que viveram na região de Manaus entre 1.000 e 2.000 anos atrás.

O sítio arqueológico Lajes fica próximo ao encontro das águas dos rios Negro e Solimões e já era de conhecimento dos arqueólogos — foi registrado em 1968; mas a queda sem precedentes do nível rio trouxe à tona imagens que não eram conhecidas.

Elas são uma expressão fortíssima de como esses povos viram e representaram elementos importantes de suas culturas. Esse complexo arqueológico se situa justo à frente do encontro das águas, lugar de muita potência em diversos sentidos, desde os tempos antigos até hoje em dia. Não à toa, Lajes foi o primeiro sítio arqueológico registrado em Manaus.
Helena Pinto Lima, doutora em arqueologia pela USP e pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi

Imagem de cabeça gravada no sítio arqueológico Lajes, em Manaus
Imagem de cabeça gravada no sítio arqueológico Lajes, em Manaus Imagem: Valter Calheiros/Arquivo pessoal

A pesquisadora conta que a última vez que as gravuras e feições ficaram visíveis foi na seca de 2010, quando ela fez visitas e registros junto com a equipe do Museu Amazônico da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) e Iphan (Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional).

Registramos quase 30 pontos ou concentrações contendo polidores, cúpulas e gravuras. Hoje, pelas imagens disponíveis, vejo que novas gravuras apareceram, em relação àquela época.
Helena Pinto Lima

Os novos registros serão analisados pelo professor e pesquisador Carlos Augusto da Silva, da Ufam. Ele afirma que pretende fazer as descrições em visita neste sábado.

Essas gravuras são, na verdade, símbolos históricos antigos em que os povos utilizavam as rochas para registrar seus comportamentos sociais. Também pode refletir que é possível que os registros representem comportamento socioambiental humanizado, em que a água, a terra e a floresta eram como irmãos. Havia zelo pela vida.
Carlos Augusto da Silva, professor da Ufam

Imagens do sítio arqueológico Lajes, em Manaus
Imagens do sítio arqueológico Lajes, em Manaus Imagem: Valter Calheiros/Arquivo pessoal
Continua após a publicidade

Indígenas ocupavam Amazônia

O sítio é parte de um complexo arqueológico maior, que vai do lado oeste do rio Amazonas até a parte amazônica da Colômbia.

Segundo Filippo Stampanoni Bassi, diretor-adjunto científico do Museu da Amazônia, as secas sempre fazem aparecer rochas inundadas na maior parte do tempo e que revelam marcas das populações indígenas que moravam na região antes da chegada dos europeus.

No caso do sítio Lajes, os pesquisadores afirmam que o local fica próximo a grandes aldeias já conhecidas do período pré-colonial. Na região já foram achadas peças de cerâmica, e por isso acredita-se que se trata dos mesmos povos.

Os desenhos são relativamente parecidos com algumas decorações de cerâmica, o que pode ter relação estilística. Tratam-se de figuras cefalomórfãs (em formato de cabeça) gravadas na pedra. Podemos constatar que são gravuras em pedras mas também indicam oficinas líticas, para fabricação de ferramentas.
Filippo Stampanoni Bass, do Museu da Amazônia

Ele afirma que não há como precisar as datas das imagens, mas as similaridades a outras gravuras achadas em Itacoatiara (onde se conhece sobre os povos) remetem ao primeiro milênio após Cristo.

Continua após a publicidade

Por ser arte rupestre ribeirinha feita em rochas na beira do rio não possuem contexto arqueológico datável, ficam como um mistério da arqueologia. Mas elas são muito parecidas com outras conhecidas na região do rio Urubu, que foram datadas dessa época.
Filippo Stampanoni Bass

Seca do rio Negro no sítio arqueológico Lajes, em Manaus
Seca do rio Negro no sítio arqueológico Lajes, em Manaus Imagem: Valter Calheiros/Arquivo pessoal

A pesquisadora Marta Sara Cavallini fez sua dissertação de mestrado estudando esse a região do rio Urubu. Ela afirma que o período delimitado das gravuras foi marcado porque antes de dois mil anos atrás esses blocos de pedras não eram visíveis. "Logo, não era possível desenhar porque o rio urubu não passava por lá."

Já o tempo que eles viveram lá, até mil anos atrás, tem a ver com o material arqueológico encontrado na região ao lado, que serviu de moradia para indígenas.

Nós vimos no local que havia cerâmica com desenho de uma careta. Ou seja quem morou lá ou fez, ou deve ter visto as pedras; por isso que tem essas datas. A gente conhece bastante esses povos, como moravam, as redes de comunicação que criaram. Essas gravuras são um código de comunicação antiga.
Marta Sara Cavallini

Caretas em rocha no rio Urubu, em Itacoatiara (AM)
Caretas em rocha no rio Urubu, em Itacoatiara (AM) Imagem: Marta Sara Cavallini
Continua após a publicidade

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes