Carlos Madeiro

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Reportagem

Abandono de 300 gatos na orla de Salvador vira problema de saúde pública

Cerca de 300 gatos abandonados por seus antigos donos ocupam hoje uma área na praia de Piatã, em Salvador. Eles recebem cuidados de voluntários, que diariamente vão ao local alimentá-los.

A criação da colônia de gatos de Piatã, como é chamada, preocupa especialistas por ser um problema de saúde pública e foi parar na Justiça, que mandou a prefeitura dar um lar e tratar os animais.

Segundo a secretária de Sustentabilidade, Resiliência e Bem-estar e Proteção Animal de Salvador (SECIS), Marcelle Moraes, a orla de Piatã virou ponto de abandono quase diário de gatos. "Alguns deles têm esporotricose."

A esporotricose, micose que provoca lesões na pele e é causada pelo fungo Sporothrix brasiliensis, está avançando em alguns estados do Brasil. Classificada como zoonose, a doença segue descontrolada, alertou em outubro o infectologista Flávio Telles, da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), em evento sediado em Salvador. Segundo o especialista, 90% dos casos no Brasil é por transmissão felina.

Ativistas que atuam no local, porém, questionam a afirmação da secretária que lá existem animais com esporotricose. Segundo eles, todos os gatos que surgem com sinais da doença são retirados e tratados de imediato por veterinários voluntários, sem apoio da prefeitura.

Patruska Barreiro e Márcia Menezes, da ONG União Proteção dos Animais de Salvador
Patruska Barreiro e Márcia Menezes, da ONG União Proteção dos Animais de Salvador Imagem: Patruska Barreiro/arquivo pessoal

A ativista e dona de clínica veterinária Patruska Barreiro afirma que "há sarna e verminoses que também habitam a areia do local". Os animais doentes deveriam ser tratados em isolamento e não deveriam ter contato com a areia, opina Patruska. O instituto que leva o seu sobrenome atende gratuitamente — ela é a dona, mas não é veterinária.

Os animais não recebem cuidados básicos de saúde, e são os voluntários que tentam tratá-los, mas não há locais públicos para isso. A demora do Poder Público em auxiliar no diagnóstico e recolhimento dos animais só faz aumentar o problema.
Patruska Barreiro, dona de clínica veterinária

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Imagem: Arte/UOL
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Justiça manda tirar colônia

No último dia 3, acolhendo pedido do MP-BA (Ministério Público da Bahia), a Justiça deu um prazo de 15 dias para que a Prefeitura de Salvador apresente um plano de ação para retirada dos animais e habilite local para recebê-los.

A situação noticiada nos autos é de suma gravidade, por conta da absurda situação de abandono de gatos na praia de Piatã, os quais são constantemente atropelados e negligenciados pela administração pública municipal. Apesar de notificada, a Prefeitura não adotou nenhuma providência para solucionar a questão.
Gilberto Bahia de Oliveira, juiz na Bahia

O caso também teve repercussão política: a Câmara Municipal pediu esclarecimentos à prefeitura sobre a remoção da colônia de gatos.

A Ouvidoria da Câmara Municipal de Salvador instou a SECIS a fornecer informações detalhadas sobre como será executada a determinação judicial, com ênfase nas estratégias para assegurar a proteção dos felinos e a salvaguarda da saúde pública.
Nota da Câmara

Animal na praça de Piatã, em Salvador
Animal na praça de Piatã, em Salvador Imagem: Patruska Barreiro/Arquivo pessoal
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ONG deve resgatar os gatos

Para resolver o problema, a secretária Marcelle Moraes afirma que a prefeitura elabora um plano desde o ano passado.

Em outubro de 2023, diz, foi feito o credenciamento de uma ONG que deverá prestar os serviços de recolhimento, moradia, tratamento e oferecimento para adoção dos animais.

O outro passo será iniciar o plano de trabalho para fazer o resgate, depois uma triagem das reais necessidades dos animais. Aí vamos separar os sadios e tratar os doentes com medicamentos e cirurgias, além de dar vacinas. E eles devem ser colocados para adoção.
Marcelle Moraes, secretária municipal

Por ora, ela explica que está sendo elaborado um termo de parceria público-privada para definição do custo dos procedimentos. O processo está em análise na Procuradoria do Município.

A ONG vencedora foi a Associação Doce Lar. Procurada pela reportagem, a direção informa que ainda aguarda o acerto. "Estamos nos preparando internamente, mas não sabemos se seremos chamados", declara Constança Costa, fundadora e presidente da ONG.

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Populares alimentam os gatos

A educadora Rita de Fátima Sandes, 57, é uma das voluntárias que vai ao local alimentar os gatos todo fim de tarde. "São 15 quilos de ração e dois de arroz todos os dias", diz ela, que mora em Lauro Freitas, cidade vizinha a Salvador (a cerca de 25 minutos de carro da praia).

Ela conta que tudo começou com uma caixa deixada com três gatos há dois anos. "Colocaram eles lá, e as pessoas foram deixando, e a população só foi crescendo. Todo dia abandonam animais lá."

Ela tem uma conta no Instagram em que coloca fotos de animais para adoção e pede contribuições não só para comprar alimento, mas para medicações aos gatos doentes.

Se a gente não alimentar, eles vão sair do terreno e vão àqueles condomínios em frente; e aí podem ser atropelados ou envenenados. Fazemos de tudo para que não atravessem a rua.

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Sem punição

Uma das queixas dos ativistas é que não há punição a quem larga os animais no local. "A polícia nunca levou nenhum caso à frente, vamos levar o caso ao MP", relata Rita Sandes.

A secretária Marcelle Moraes informa que a prefeitura já instalou câmeras no local e envia as imagens à Polícia Civil.

Todos os animais lá foram alvo de abandono. Muitas pessoas cometem esse crime, e a gente instalou câmeras de alta resolução, com infravermelho. Sempre que tem caso, encaminhamos à polícia, que nunca deu retorno.
Marcelle Moraes, secretária municipal

Procurada, a Polícia Civil enviou nota afirmando que corre na Delegacia de Itapuã apenas um caso de maus tratos a animais e que se refere ao abandono de um cachorro —não há nenhum caso de gato apurado.

Ainda segundo a polícia, o abandono de gatos no local não configura crime porque eles são cuidados por terceiros.

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Maus tratos a animais configuram-se por lesão, mutilação ou qualquer ato de abuso que possa incidir sofrimento físico ao animal. No local relatado, os animais são alimentados por populares diariamente.
Nota da Polícia Civil da Bahia

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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