Carlos Madeiro

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Reportagem

'Acreditei ser preguiça': a luta para descobrir síndrome da fadiga crônica

Antes de saber que tinha encefalomielite miálgica (conhecida como Síndrome da Fadiga Crônica), a psicóloga Ivana Andrade, 34, peregrinou por vários médicos e cansou de ouvir diagnósticos errados.

Desde que eu me entendo por gente, tinha uma sensação de cansaço e de que o tronco e a cabeça fossem mais pesados do que eu podia suportar. Era extremamente comum me ver deitando a cabeça na mesa ou no colo da minha mãe.
Ivana Andrade, psicóloga

A OMS (Organização Mundial de Saúde) estima que mais de 20 milhões de pessoas no planeta tenham esse problema; dessas, 70% não conseguem trabalhar. Segundo a SBR (Sociedade Brasileira de Reumatologia), não há estimativas de casos no Brasil.

A causa da síndrome é atualmente desconhecida, mas uma combinação de fatores genéticos e ambientais parece ser relevante. Não existem testes de diagnóstico específicos ou tratamentos aprovados pela FDA [agência americana de drogas] disponíveis.
OMS

Problemas a partir dos 12 anos

Ivana conta que, mesmo com os sintomas da doença, levava uma vida relativamente normal. "Eu era uma excelente aluna, mas por volta dos meus 12 anos tudo mudou repentinamente."

A mudança veio com notas ruins na escola, e ela passava a maior parte do tempo deitada.

Diagnosticaram-me com depressão e ansiedade. Desde então, comecei a fazer acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Inclusive, acreditei que aquelas sensações do meu corpo eram desencadeadas por uma preguiça com a qual eu teria que lidar para o resto da minha vida.
Ivana Andrade

Em 2014, Ivana teve um episódio de disfunção gastrointestinal, que provocou um grande aumento no cansaço. "Eu mal conseguia ficar em pé, e mesmo andar até a porta de casa se tornou um esforço absurdo."

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Sintomas da síndrome da fádiga crônica
Sintomas da síndrome da fádiga crônica Imagem: Reprpdução/Mayo Clinic

Outro sintoma passou a acompanhá-la: os batimentos cardíacos chegavam a 160 por minuto só por ela ficar na posição vertical.

A psicóloga teve ainda dores fortes, náuseas, excesso de suor, dificuldade de raciocínio e bexiga hiperativa.

Foi um período bem difícil, em que fiquei mais de quatro meses de cama. Nessa época, passei por mais de dez médicos, e nenhum deles fazia a menor ideia do que estava acontecendo com o meu corpo.
Ivana Andrade

Ela se recorda de frases que ouvia dos profissionais, como: "Eu não faço a menor ideia de como te tratar"; "você está muito bagunçada, volte quando estiver melhor"; "sente dores ao se sentar, então evite sentar".

Foi nessa época que alguns médicos citaram para ela a Síndrome da Fadiga Crônica.

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Mas nenhum demonstrava interesse pelo tema ou se informava sobre os avanços clínicos e científicos da doença. Eles sempre deixaram claro que estavam fazendo tentativas às cegas.
Ivana Andrade

Diagnóstico só em 2022

A médica que diagnosticou Ivana foi a pneumologista Eloara Campos, que é professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e atua na área de fisiologia do exercício.

Eloara conta que, em agosto de 2022, submeteu Ivana a um teste cardiopulmonar invasivo, o iCPET, que confirmou a condição da paciente.

A médica explica que não há um exame que aponte diretamente a doença, mas que é possível chegar a um diagnóstico clínico.

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Muitas vezes esse paciente faz um monte de exames após ter fadiga e mal-estar por esforços, mas todos os resultados são normais. Esse é o maior problema, porque nós, médicos, estamos acostumados a pedir exames e ver a doença escrita nele. Nesse caso, exames excluem outras doenças.
Eloara Campos

A médica também relata que a falta de um diagnóstico e de conhecimento sobre a doença acaba gerando orientações erradas, como a de recomendar exercícios físicos para pacientes com a síndrome. "Isso pode ser catastrófico, porque o corpo desse paciente não tem a energia suficiente."

Ivana virou ativista

A psicóloga usa hoje suas redes sociais para falar sobre a doença, realizando lives com pacientes e profissionais da saúde. A partir daí, diz, foi procurada por outros pacientes que vivem a mesma situação.

Ivana chegou a se encontrar com autoridades do governo federal em Brasília. Ela recebeu uma promessa de reunião com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, para debater o tema, mas nunca teve retorno.

Eu levei mais de 10 anos para achar uma médica empática, que estivesse aberta a me ouvir e a compreender junto comigo o problema.
Ivana Andrade

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Ivana e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado
Ivana e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado Imagem: Arquivo pessoal

Em Goiás, onde mora, ela conta que ajudou na campanha para aprovar uma lei que institui políticas públicas para pacientes com encefalomielite miálgica. No estado, maio se tornou o mês de conscientização da doença.

Em âmbito federal, a esperança de Ivana é o avanço de um projeto de lei proposto pela deputada Érika Kokay (PT-DF). Na última quinta-feira, a Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados aprovou o projeto, que institui a Política Nacional de Atenção Integral à Pessoa com Encefalomielite Miálgica no âmbito do SUS.

Antes de ir a votação no plenário, o projeto deve passar pelas comissões de Finanças e Tributação, de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara.

Comecei a atuar por políticas públicas para pacientes com encefalomielite miálgica e prometi para mim mesma que faria o possível para que ninguém passasse pelas atrocidades que tive que vivenciar.
Ivana Andrade

Ato realizado em Brasília tenta chamar a atenção de Lula para a doença
Ato realizado em Brasília tenta chamar a atenção de Lula para a doença Imagem: Arquivo pessoal
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Maioria tem síndrome pós-virose

O presidente da SBR, o reumatologista Marco Antônio Rocha Loures, diz que a síndrome acomete principalmente pessoas após uma infecção viral.

Não se sabe exatamente o que causa, mas o número de casos cresceu com a covid-19. "Estão parecendo cada vez mais pessoas com a síndrome."

Existe um processo de alteração do sistema nervoso central, muscular e um processo inflamatório. Vários fatores podem pesar nesse processo, como a imunidade e a genética.

A pessoa tem realmente um processo de esquecer nomes, datas, locais. Isso pode ser temporário, mas pode ser crônico, depende da intensidade. Muitos têm dores e pontos dolorosos, lembrando a fibromialgia. Mas cada caso é um caso.
Marco Antônio Loures, presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia

Ministério da Saúde cita lei

Em nota, o Ministério da Saúde cita a "emergência e importância do tema" e informa que "o presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou, em outubro de 2023, a Lei nº 14.705, com o intuito de estabelecer diretrizes para o atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) a pessoas acometidas por Síndrome de Fibromialgia ou Fadiga Crônica".

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Além disso, a pasta informa que disponibiliza desde 2012 um protocolo clínico e diretrizes terapêuticas da dor crônica.

Afirma que, no SUS, as pessoas com a síndrome recebem o primeiro atendimento na Atenção Básica, e na Atenção Especializada "são disponibilizadas consultas com médicos especialistas, reabilitação física de forma integral, prevenção e redução de danos".

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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