Carlos Madeiro

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Tabajara: povo indígena promete luta e 'sangue' para não trocar CE pelo PI

"Combinaram de nos matar. Combinamos de não morrer." Essas duas frases estavam em um cartaz pendurado na mesa montada no último dia 24 de maio para uma audiência pública no município de Poranga (CE), onde vivem os índios Tabajara, que estão lutando para não serem "levados" para o Piauí.

A área onde hoje está a aldeia Cajueiro, com 5 mil hectares, está no olho do furacão: poderá mudar de estado, caso o STF (Supremo Tribunal Federal) acolha pedido do Piauí, que disputa desde 2011 com o Ceará a posse sobre uma área de 2,8 mil km².

O povo Tabajara está ainda no início do processo de demarcação de suas terras, que veio após uma luta que envolveu a retomada do território na primeira década do século e a consequente expulsão de fazendeiros e posseiros.

Temos políticas públicas lá dentro: escolas, professores públicos indígenas concursados, ações importantes do governo do estado; e de repente nós vamos ter que voltar novamente ao passado? Se for o caso, vamos até marcar com o próprio sangue aquele território, mas não abrimos mão de forma nenhuma de deixar de pertencer ao estado do Ceará.
Cacique Jorge Tabajara

Audiência pública no dia 24 de maio em Poranga (CE)
Audiência pública no dia 24 de maio em Poranga (CE) Imagem: Celditec/Divulgação

Desde que retomaram a posse, o povo Tabajara têm feito um processo de preservação da natureza e de autodemarcação que se tornou referência na luta indígena.

O cacique, que hoje também é secretário executivo dos Povos Indígenas do Ceará, diz temer que uma mudança de estado desmantele a estrutura estadual já montada que garante serviços como escola e atendimento médico.

Em 2014, a 22ª Vara Federal do Ceará determinou que a Funai avance no início dos estudos para o procedimento de demarcação. A terra hoje está interditada, sob posse do povo Tabajara.

Na última terça-feira, o cacique leu um manifesto em nome do seu povo, em que diz que "é do Ceará que somos, é a ele que pertencemos e pelo qual trabalhamos para continuar a pertencer."

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O cacique explicou que seu povo foi pego de surpresa porque não foi ouvido no processo, um direito que eles afirmam ter. Além disso, eles apelam ao pertencimento cultural e histórico para não querer deixar o estado.

Todos os nossos ancestrais nasceram naquele território com a certeza de que somos do Ceará. E nós, atuais gerações, não abriremos mão para que as futuras gerações também consigam ter o direito de carregar a identidade, a cultura, o vínculo de pertencimento a esse estado.
Jorge Tabajara

Área interditada para uso dos Tabajara, em Poranga (CE)
Área interditada para uso dos Tabajara, em Poranga (CE) Imagem: Arquivo pessoal

Ceará usa carta de 1721

O litígio está prestes a ter um fim. No final deste mês, o Exército promete entregar o relatório sobre a perícia pedida pela ministra Carmen Lúcia (relatora do processo) para indicar a posse da área e ajudar a instruir a decisão final de quem é dono da área.

A luta dos indígenas virou argumento jurídico do governo cearense. Uma carta régia emitida pelo Rei de Portugal, D. João V, em 1721, foi anexada em abril ao processo do STF.

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Segundo o governo cearense, o documento diz que "toda a Serra da Ibiapaba seria destinada à nação Tabajara, situada na capitania do Ceará, como resposta ao sentimento de pertencimento dos indígenas."

A carta régia não apenas estabeleceu a posse cearense sobre toda a Serra da Ibiapaba, mas também atestou a identidade territorial e cultural dos habitantes do território.
Rafael Machado Moraes, procurador-geral do Estado do Ceará

A coluna procurou a PGE (Procuradoria Geral do Estado) do Piauí, mas não houve retorno. O texto será atualizado assim que for recebida manifestação.

Escola montada na aldeia Cajueiro, em Poranga (CE)
Escola montada na aldeia Cajueiro, em Poranga (CE) Imagem: PGE-CE/Divulgação

Entenda a disputa

Desde 2011, Piauí e Ceará travam duelo em uma ação no STF proposta pelo lado piauiense, que contesta a titularidade do Ceará de uma área de 2.874 km². No local vivem 25 mil moradores em 13 municípios, que mudariam de estado caso haja alteração de divisa.

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Os piauienses alegam que tiveram parte do território invadida pelo estado vizinho durante décadas. Eles questionam os marcos da divisa, com base no Decreto Imperial 3.012, de 1880, que alterou a linha divisória das então duas províncias; e de um conselho arbitral do governo federal de 1° de julho de 1920.

No caso, o governo do Piauí alega que a divisa entre os estados deveria ter como base a Serra de Ibiapaba, mas no mapa atual boa parte da área a leste está sob posse do Ceará. Dessa região, 76% pertenceriam ao Ceará e 24% ao Piauí.

Mapa área do litígio Ceará Piauí
Mapa área do litígio Ceará Piauí Imagem: Arte/UOL

Por causa disso, em 2011, o governo do estado entrou com ação no STF em que alega que o limite dos estados é a "Serra Grande ou da Ibiapaba, sem outra interrupção além da [linha] do rio Puty [hoje chamado de Poti]".

O texto diz que o Piauí ficaria com "todas as vertentes ocidentais da serra", e o Ceará, com as orientais. O problema é que o Ceará ficou com terras ocidentais (a oeste) da serra, segundo afirma o Piauí.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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