Fogo sem controle dos últimos anos ameaça mudar o Pantanal como conhecemos
Os incêndios no Pantanal voltaram a preocupar entidades e poder público. Segundo o Inpe, foram 1.069 focos de calor medidos do início do ano até a última quinta-feira (6) — alta de 970% em relação ao ano passado.
Em apenas seis dias de junho, o Inpe registrou 170 focos de calor no bioma — 120% a mais que o mês inteiro do ano passado (quando foram 77 em 30 dias).
Os ciclos de queimadas são uma ameaça no Pantanal, que já sofre com impactos de seca e pode mudar caso o fogo siga sem controle, alertam especialistas. Em 2020, o bioma teve recorde de queimadas e perdeu 30% da sua área.
Segundo Danilo Bandini Ribeiro, do Laboratório de Ecologia do Instituto de Biociências da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), os incêndios no Pantanal têm duas principais causas.
- A primeira, que considera a mais importante, são as condições climáticas: o Pantanal está vivendo uma seca com índices de chuvas menores que em 2020.
- A falta de manejo do fogo de moradores ou fazendeiros do bioma.
Quanto mais seco e quente, mais fácil o fogo começar e se espalhar, e mais difícil é controlar.
Danilo Ribeiro
De acordo com o meteorologista Humberto Barbosa, coordenador o Lapis (Laboratório de Processamento de Imagens de Satélite) da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), o Pantanal tem vários locais com as chamadas secas-relâmpago, que são aquelas que geram um período inesperado de mais de um mês sem chuva.
Quando a umidade chega a 10%, como é o caso de algumas áreas, entra em uma condição muito crítica; e para sair disso, precisaria de uma grande quantidade de chuva -- o que não vai ocorrer [em breve]. Como o solo está muito seco e há baixa umidade, só uma chuva muito intensa faria a umidade penetrar no solo.
Humberto Barbosa
Seca fora do padrão
Historicamente, os meses de maio e junho marcam o início de uma alta das queimadas, mas longe dos picos que ocorrem entre setembro e outubro.
Danilo Ribeiro afirma que, neste ano, os rios estão mais secos e expõem a vegetação que deveria estar coberta pela água. Isso alimenta o segundo fator que explica a alta nas queimadas: a falta de manejo do fogo.
Quando tem um incêndio, se o clima está seco, por algum motivo ou descuido você perde o controle, já que essa biomassa vegetal é o combustível do fogo.
Danilo Ribeiro
Caso as secas sigam intensas, e gerem muito fogo sem controle, Ribeiro alerta que há risco do bioma Pantanal passar por mudanças perenes.
Vamos imaginar que essa seca se repita durante alguns anos. Isso acabaria refletindo em um processo de aumento do fogo por causa da extensão da época de queimadas. Então, se acabar a cheia, e o nível do rio ficar baixo, o Pantanal que a gente conhece desaparece. Ele vai se tornar um outro ambiente, talvez mais parecido com o cerrado.
Danilo Ribeiro
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Quero receberEntretanto, ele diz que anos em que há grandes processos de queimada são sucedidos por outros com menor número.
Normalmente os anos de muita intensidade de fogo são acompanhados por anos com menos fogo, justamente porque aquela toda aquela biomassa queimada não tem tempo para se regenerar no ano seguinte. Então, você tem menos biomassa disponível para queima; mas mesmo não acabando com o Pantanal, a gente vai ter impactos nas espécies mais sensíveis.
Danilo Ribeiro
Ciclos mais rápidos e intensos
Cyntia Santos, analista de Conservação do WWF-Brasil, explica que o Pantanal tem ciclos naturais de secas e cheias.
Ela ressalta, entretanto, que os períodos secos têm se repetido com mais intensidade e frequência nos últimos anos — e isso tem a ver com as mudanças climáticas geradas pela ação humana. "Nos últimos 20 anos, houve intensificação das atividades humanas, e algumas delas ameaçam e facilitam o fogo", diz.
O Pantanal é uma grande piscina que precisa da água do cerrado, onde tem as cabeceiras dos rios nas partes mais altas, e dos 'rios voadores' da Amazônia. É isso que faz o ciclo da água, mas o Pantanal está ficando mais seco, e a umidade está mais baixa. Isso é gatilho para ignição para começar o fogo.
Cyntia Santos
Sob Lula, o cerrado é o bioma do pais que mais sofre com desmatamento, segundo dados de 2023 da rede MapBiomas.
Por conta dessa dependência, os desmatamentos de cerrado e Amazônia impactam no ciclo de chuvas do Pantanal.
Desde 1964 temos medidas de seca e cheias do Pantanal. Nos últimos 20 anos, com a intensificação das atividades humanas, houve degradação ambiental com supressão de vegetação, especialmente nas cabeceiras dos rios, como na bacia do Alto Paraguai. Quando se degrada, há impacto nas nascentes, e há seca e diminuição de umidade no Pantanal.
Cyntia Santos
Cintya ainda faz outro alerta: que o fogo tem sido recorrente nas mesmas áreas, o que faz com que o bioma não tenha o tempo necessário para recuperação.
O bioma tem uma dinâmica específica, que obedece o ciclo de águas e secas, que favorecem a manutenção de plantas aquáticas e depois terrestres. Essas alterações estão ocorrendo de forma muito rápida, e aliado a isso existe uma veloz conversão da parte alta do cerrado de pecuária para agricultura, com intensificação do plantio de soja. O ambiente não tem tempo de se reformular.
Cyntia Santos
Outro fator que ela considera importante nesse cenário é que o Pantanal, pela sua geografia, tem áreas remotas de difícil acesso. "Nem tudo tem estrada, e há locais que só se chega de aeronaves. Isso dificulta apagar um fogo."
Ela também defende que é necessário montar e aparelhar brigadas. "Defendemos iniciativas de doação de equipamentos e fortalecimento de brigadas voluntárias em fazendas ou áreas mais remotas."
A coluna procurou o Ibama para que comentasse as ações federais de prevenção e combate ao fogo no bioma, mas não obteve resposta.
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