Esquema usa idosos para registrar e vender áreas na 'nova Jeri', diz PF
A cessão de terrenos em áreas supervalorizadas à beira-mar no município de Cajueiro da Praia, no Piauí, está sendo alvo de investigação da PF, que vê indícios de fraudes com a participação de autoridades, empresários e o cartório local.
As investigações apontam que pessoas pobres, geralmente idosos, eram utilizadas para simularem posse antiga em terrenos da União e, em seguida, simulavam negócios jurídicos de compra e venda dessa posse a valores bem abaixo do mercado.
As praias da cidade são um novo paraíso turístico batizado de "nova Jeri", em referência a Jericoacoara (CE) - a 144 km de distância de Cajueiro da Praia.
MPF pediu apuração
A denúncia partiu do MPF (Minsitério Público Federal), que constatou as primeiras irregularidades no ano passado e pediu o cancelamento de um acordo de cooperação técnica entre a SPU (Superintendente do Patrimônio da União) e a Prefeitura de Cajueiro da Praia.
A fraude estaria ocorrendo no processo de regularização fundiária das áreas da União. Atendendo ao pedido, a SPU suspendeu o acordo e os terrenos com processos concluídos ou em andamento estão sendo investigados.
Em razão de as condutas configurarem, em tese, crime, o MPF requisitou a instauração de inquérito policial, no âmbito do qual foi deflagrada a Operação Tordesilhas 2. No âmbito cível, as irregularidades são apuradas pelo MPF no Inquérito Civil.
MPF em nota à coluna
Nos últimos anos, a praia de Barra Grande, no município, viveu um boom no turismo, com a abertura de pousadas. O destaque é a prática do kitesurf — a região apresenta condições ideais para o esporte e atrai pessoas do Brasil e do mundo, inclusive para competições.
PF investiga
Na quinta-feira da semana passada, a PF (Polícia Federal) desencadeou a Operação Tratado de Tordesilhas 2, que cumpriu 14 mandados contra servidores públicos, de cartórios e empresários em quatro cidades piauienses. Entre os alvos estava o irmão do prefeito e secretário de Governo, Thiago Ribeiro - a PF não detalha o que foi apreendido.
Para a PF, não há dúvidas de que os processos foram produzidos de forma irregular. "Fizeram dessa regularização um balcão de negócios, com cobrança de porcentagem para regularização", afirma o delegado Eduardo Monteiro, da PF.
Além do secretário de Governo, também são investigados outros alvos ligados à prefeitura, como o próprio prefeito Felipe Ribeiro (PT). A PF entende que conversas no WhatsApp, encontradas ao longo na investigação, apontam que o prefeito pode ser beneficiário do esquema.
O prefeito, por ter foro de prerrogativa de função, está sendo investigado em um inquérito à parte que corre no TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região.
Newsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberTerreno deu início a apuração
As suspeitas começaram após a cessão de posse de uma área localizada no povoado Barra Grande, um dos locais mais valorizados do município por sua beleza e cenário paradisíaco.
Com 31.069 m², a área foi regularizada e registrada em cartório do município de Luís Correia em 2022. Mas tudo começou ainda em 2018, quando uma mulher que não era moradora da área —e teria sido usada como "laranja"— teria dado entrada com o processo de regularização da área junto à prefeitura.
A partir dali começou um processo de regularização com uma sucessão de equívocos. Houve fraude documental para montagem do processo.
Eduardo Monteiro, delegado da PF
Logo após findar o processo de regularização em 2022, o terreno foi vendido a uma mulher de fora da cidade por R$ 18 mil, um valor absurdamente abaixo da média de mercado.
Pouco tempo depois da regularização, a nova dona desmembrou a área e vendeu uma parte do terreno —de 10 mil m²— por R$ 1,5 milhão.
E nessa área, a construtora que comprou já deu início a um condomínio, que tem rua e estrutura. O projeto era vender lotes para que as pessoas fizessem suas casas.
Eduardo Monteiro, delegado da PF
O negócio, explica o delegado, não chegou a ser 100% pago pela construtora porque no meio do processo houve o rompimento da SPU com a prefeitura. "O grupo pagou R$ 600 mil iniciais e iria pagar R$ 900 mil", diz.
Idosos usados
O programa de reurbanização da SPU, o Reurb, visa dar posse a moradores antigos de áreas da União, como são os terrenos beira-mar, explica o delegado. "Ele é importante para dar dignidade e segurança jurídica para quem é possuidor de área de união há muitos anos. Por isso a SPU faz acordo com as prefeituras para que elas façam a regularização", diz.
Segundo a investigação, a prefeitura utilizou moradores —a maioria idosos sem muita instrução— como falsos posseiros de terras à beira-mar para garantir a regularização do local.
Depois que a pessoa recebia o título, a área era vendida por um valor alto. Isso já era acertado com o grupo para prefeitura, e tudo era combinado e ajustado pelo grupo.
Eduardo Monteiro, delegado da PF
No caso, como a SPU suspendeu as regularizações, muitos desses processos não chegaram a dar títulos definitivos de posse. Procurada, a SPU —o órgão do Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos— não respondeu aos questionamentos do UOL.
Prefeitura nega irregularidades
Em nota, a Prefeitura Municipal de Cajueiro da Praia informou que "está colaborando com as investigações dos órgãos policiais e judiciários e que exonerou todos os servidores citados sobre os fatos divulgados pela imprensa no último dia 6 de junho."
Cita que o processo investigatório citado foi iniciado ainda em 2018, na administração anterior.
A Gestão Municipal não concorda com nenhum desvio de conduta ou com qualquer tipo de irregularidade de seus integrantes, pautando-se, desde sempre, pela legalidade de seus atos em benefício da população cajueirense. Caso sejam comprovadas as acusações apontadas, todos os envolvidos serão responsabilizados com o rigor da lei.
Prefeitura de Cajueiro da Praia
Sobre o prefeito, diz que ele "não autorizou terceiros a conduzir em seu nome atos ou condutas desabonadoras ou contrário aos princípios da administração pública, e que pauta-se sempre dentro dos limites legais."
O empresário Mauri Ferreira Filho, proprietário da Renove —empresa contratada para cooperação técnica com a prefeitura e também investigada— negou as irregularidades e alega que o contrato com a prefeitura "não tem vínculo financeiro".
É um contrato de risco, ou seja, sabíamos que iríamos investir tempo, dinheiro e técnica e que teríamos que entregar os serviços dos possuidores sociais e que estes compreendem 70% das unidades imobiliárias de Cajueiro, restando convencer os outros 30% a aderir ao Programa para que pudéssemos avançar e recuperar nossos investimentos e obter lucro.
Mauri Filho
Segundo ele, a empresa atua de forma 100% idônea, mas que haveria interesses por trás das denúncias feitas aos órgãos.
Nossa maior frustração é investir na estruturação e desenvolvimento do programa com maior zelo no trabalho e não poder avançar o programa, todo mês é uma coisa nova para retardar o processo, ver os todas as possibilidades adiadas.
Mauri Filho
O UOL não conseguiu contato com o cartório alvo das operações. O espaço está aberto para manifestação.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.