Empresa é condenada após falas de patrão: 'Mulher deve relaxar' em estupro
O TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 5ª Região, na Bahia, manteve uma condenação a uma empresa atacadista do município de Lauro de Freitas, na Grande Salvador, pelo dono ter assediado moralmente e sexualmente uma ex-funcionária.
Por se tratar de uma decisão na Justiça Trabalhista, apenas a empresa foi condenada. A funcionária também pode levar o caso para a esfera criminal, contra o ex-patrão.
Durante seu período de trabalho como "operadora logística" na empresa, de outubro de 2020 a agosto de 2022, a funcionária alega que foi chamada várias para sair com o dono, que também é acusado de falas machistas como "mulher deve oferecer o corpo para ter dinheiro."
A decisão, informada na quarta-feira (21), confirmou a sentença da 27ª Vara do Trabalho de Salvador, que concedeu uma indenização de R$ 20 mil por danos morais à trabalhadora. Ainda cabe recurso.
Incontestável a ocorrência de danos morais a serem indenizados e desnecessária a demonstração de dor ou sofrimento para caracterizar o dano à esfera moral do indivíduo, tendo em vista ser patente a angústia causada em casos deste tipo.
Tânia Magnani, desembargadora e relatora do processo
A defesa do empresário nega as acusações e se disse indignada com a divulgação do caso (leia mais abaixo).
O relato de assédios
O homem que foi condenado é Wellington Gouveia Santos, sócio-administrador da WGS Comercio de Produtos Alimentícios LTDA.
A mulher cita que ele a convidava repetidas vezes para sair e fazia comentários inapropriados sobre mulheres, incluindo ela. Ela também alegou que Wellington frequentemente a tocava de forma inadequada, passando a mão em sua cintura, cabeça e costas.
Ele também diz que o patrão xingava e gritava com ela, além de fazer observações homofóbicas.
A ex-funcionária ainda relata que Wellington chegou a fazer um comentário ofensivo quando ela mencionou que havia almoçado camarão. Wellington teria dito que "mulher que come camarão é puta". A fala foi confirmada por uma testemunha à Justiça.
Além das alegações de assédio, a mulher também alegou que seu horário de trabalho era estendido (das 7h às 17h), com apenas dez minutos de intervalo, além de atuar nos sábados e feriados, das 8h às 13h, sem intervalo.
Ela ainda seria obrigada a trabalhar remotamente, monitorando caminhões das 17h às 21h, sem folga compensatória.
Testemunhas confirmam
Além do relato da mulher, duas testemunhas prestaram depoimento e confirmaram ter ouvido falas machistas e ofensivas a ela por parte do empresário.
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Quero receberUm ex-assistente administrativo do comércio afirmou em seu depoimento ter presenciado Wellington com "comportamento estranho" com as funcionárias da empresa.
Ele alegou ter visto Wellington tocar a ex-trabalhadora de forma "inapropriada, passando as mãos nos ombros e na nuca". Também cita que a viu chorando e sem querer retornar ao andar do chefe.
Outra frase que ele diz ter ouvido de Wellington é que "se o estupro for inevitável, a mulher deve relaxar e gozar". Além da trabalhadora que acionou a Justiça, ele disse que outra funcionária "se escondia de Wellington dentro da empresa para evitar contato com ele."
Já outra ex-funcionária, que trabalhou diretamente com Wellington, relatou que ele também que "fazia convites para fazer coisas fora do trabalho", além de utilizar palavras de baixo calão.
Wellington, por exemplo, também teria a convidado para ir a um restaurante e perguntou se ela conhecia algum motel próximo para "relaxar".
Ela conta que também presenciou "xingamentos, gritos e palavras homofóbicas" de Wellington dirigidos a ex-trabalhadora e disse ter ouvido de uma a duas vezes ele falar 'para o estupro ser mais tranquilo, deveria relaxar e gozar'".
Ainda no depoimento, cita que viu Wellington tocando as funcionárias de forma inadequada, "mexendo no cabelo, alisando o braço".
No TRT, a A WGS pediu a anulação ou redução do valor da indenização. No entanto, os desembargadores negaram. A decisão 5ª Turma, que apreciou o caso, foi unânime, com os votos favoráveis —além da relatora— dos desembargadores Paulino Couto e Valtércio de Oliveira.
No ambiente de trabalho, a conduta do superior hierárquico que deliberadamente assedia sexualmente a empregada, desestabilizando psicologicamente a vítima, atenta contra a dignidade da trabalhadora, constituindo-se em assédio moral, passível de indenização diante da existência do nexo de causalidade entre o dano e o agente ofensor, responsável pelo fato ilícito que o produziu.
Tânia Magnani, desembargadora e relatora do processo
Empresa nega e reclama de 'julgamento antecipado'
Em nota, a empresa afirma que "recebeu com surpresa e indignação a notícia veiculada pelos meios de imprensa de um julgamento realizado no âmbito do TRT" e diz que se trata de uma "falsa acusação".
O caso foi divulgado em matéria institucional do TRT, publicada na última quarta-feira (21).
Indignação e surpresa em razão da fase que se encontra o processo que ainda pende de exame de recurso apresentado pela empresa que aborda questões sensíveis no processo como a inidoneidade e imparcialidade da testemunha da reclamante por amizade íntima e ausência na apreciação de provas documentais juntada pela empresa, em especial, vídeos contrários à falsa acusação.
WGS Comercio de Produtos Alimentícios LTDA, em nota
A empresa ainda cita que não há boletim de ocorrência ou queixa prestada "pela suposta vítima contra qualquer pessoa da empresa, o que por si só já revela a estranheza das acusações."
A empresa repudia a propagação e julgamento popular antecipado que vem maculando a imagem da empresa e seus colaboradores, confia no devido processo legal e aguarda o desfecho dos recursos com confiança de que, ao final, será descortinada a verdade e revertida a decisão.
WGS Comercio de Produtos Alimentícios LTDA, em nota
A defesa da empresa afirmou que está impossibilitada de comentar ou dar mais esclarecimentos porque o caso foi colocado em segredo de Justiça.
No processo, ela cita que os depoimentos são frágeis: uma das duas pessoas que falou seria amiga íntima da ex-funcionária e a outra teria prestado declarações falsas e teria convivido por menos de uma mês com a mulher que processou a empresa.
A empresa ainda citou que os depoimentos das testemunhas teriam, no máximo, indicado uma "conduta indevida e impertinente" do sócio da empresa e "em caráter geral, não individualizado."
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