Carlos Madeiro

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Reportagem

Médico é condenado a ressarcir os 6 anos de curso por fraude à cota racial

O médico Pedro Fellipe Pereira da Silva Rocha foi condenado pelo TRF5 (Tribunal Regional Federal da 5ª Região) a pagar pela graduação que concluiu ano passado na Ufal (Universidade Federal de Alagoas). Os desembargadores da Quinta Turma Ampliada da corte entenderam que ele é branco e fraudou a autodeclaração para acessar indevidamente a graduação por meio de cota.

A decisão foi tomada durante julgamento no último dia 5 e mudou a sentença em primeira instância da Justiça Federal de Alagoas, que havia negado a condenação pedida pelo MPF (Ministério Público Federal) —autor da ação.

Pedro deverá ressarcir o erário em R$ 7.000 para cada mês estudado. Como o curso de medicina dura seis anos, isso resulta em um total aproximado de R$ 500 mil. Além disso, terá de pagar indenização de R$ 50 mil por danos morais.

A defesa alega que a decisão do TRF5 é injusta e vai recorrer (Leia mais abaixo). Para isso, precisa aguardar a publicação do acórdão pelo TRF5 —o que ainda não ocorreu nem tem data certa para ocorrer.

Pedro entrou no curso de medicina por meio do PSS (Processo Seletivo Sisu/Ufal) em 2017 e se formou em 2023.

Ele se candidatou na cota de autodeclarados pretos, pardos ou indígenas que, independente de renda, tenham cursado o ensino médio em escolas públicas. No caso, Pedro cursou em uma escola filantrópica de Maceió.

Denúncia de estudantes

A ação do MPF é de 2021 e cita que o Pedro apresentou "autodeclaração ideologicamente falsa" como pessoa parda. Segundo definição do IBGE, são considera negros as pessoas pardas e pretas.

O réu não possui nenhum traço apto a justificar sua participação como preto/pardo. Efetivamente, diante das fotografias acostadas à inicial, não seria possível negar o óbvio [...] Constata-se que PEDRO FELLIPE PEREIRA DA SILVA ROCHA não possui fenótipo de pessoas negras, a partir de uma análise quanto ao tom de pele, formato do nariz, e os cabelos desta.
Ação do MPF-AL

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O caso foi denunciado por estudantes na Ufal, que entenderam que Pedro é uma pessoa branca, sem direito a cota. A instituição, porém, se recusou a cancelar a matrícula de Pedro, o que levou o MPF a agir.

Segundo Danilo Luiz Marques, coordenador do Núcleo se Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Ufal, em 2017 a instituição usava apenas a autodeclaração como critério, e apenas em 2019 foi criada a comissão de heteroidentificação.

Nós, do movimento negro, sempre propusemos essas comissões de identificação como forma de comprovação da autodeclaração. A gente só conseguiu institucionalizar de forma mais abrangente nacionalmente a partir de 2018 e 2019. A Ufal é uma das primeiras a criar essa essas comissões, que são um mecanismo importante no processo de combater as fraudes. Agora, com a renovação da Lei de Cotas e o aprimoramento da política, a gente já consegue estabelecer um padrão de nível nacional.
Danilo Marques

Prédio da Faculdade de Medicina da Ufal
Prédio da Faculdade de Medicina da Ufal Imagem: Ufal/Divulgação

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Só autodeclaração não vale

Para o MPF, o fato de não existir uma validação institucional não dá direito a uma pessoa branca de ocupar a vaga só porque se autodeclarou negra.

O fato do aluno réu supostamente se identificar como branco, pardo, preto, ou como descendente de europeus, asiáticos ou africanos não faz com que a sociedade tenha que aceitar tal fato.
Ação do MPF-AL

A autodeclaração como método isolado seria expressão do racismo institucionalizado, pois representaria a inviabilidade da política de ação afirmativa introduzida pela lei ordinária em razão do potencial desvirtuamento quanto aos beneficiários das cotas. Seria o Estado agindo contra sua própria política de elevação de um grupo marginalizado. Considerar que a lei instituiu a autodeclaração como método único e absoluto resultaria em um sistema de cotas desprovido de qualquer mecanismo contra fraudes, perpetuando a consequente ineficácia do diploma legal em questão.
Ação do MPF-AL

Em setembro de 2022, o caso foi julgado, e o pedido foi negado pela 2ª Vara da Justiça Federal em Alagoas, que alegou que o "sistema jurídico constitucional não admite que o ingresso e frequência de aluno em instituição de ensino superior oficial gere qualquer tipo de cobrança", como pedia o MPF.

No mesmo mês, o MPF recorreu da sentença ao TRF5, no Recife, que teve entendimento diferente e condenou Pedro a pagar pelo curso.

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Sede do TRF5, no Recife
Sede do TRF5, no Recife Imagem: TRF5/Divulgação

"Era chamado de amarelo"

Em depoimento no dia 12 de setembro de 2023, que consta no processo, Pedro foi indagado sobre porque se autodeclara como pardo e afirmou que tem ascendência negra: "sempre fui criado e convivo com pessoas negras ou pardas", disse, citando a mãe, a avó e o pai.

Também afirmou que já havia se declarado pardo em outros momentos e, ao ser questionado se já haveria sido vítima de preconceito racial, disse que sim.

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Eu já fui, sim, zoado na escola com relação a minha cor, [era] chamado de amarelo; principalmente quando era no ensino fundamental, estudava na Fundação Bradesco. Inclusive antigamente as políticas contra bullying não eram tão efetivas.
Pedro Felipe

Em nota, a advogada Paula Falcão, que defende o médico, afirmou que vai recorrer da decisão do TRF5 porque ela "viola preceitos constitucionais."

É importante esclarecer que o sistema de cotas raciais não se restringe exclusivamente aos pretos, mas também inclui os pardos, conforme a legislação vigente. O médico recém-formado, ao longo de sua vida, sempre se reconheceu como pardo, uma autodeclaração que reflete seu contexto histórico, cultural e social. A autoidentificação é um direito da personalidade, vinculado aos aspectos existenciais, emocionais e sociais de cada indivíduo.
Paula Falcão

Ela afirma ainda que a participação no processo seletivo foi "legítima, amparada pela autodeclaração permitida por lei, conforme o edital do certame."

Ele sempre agiu de boa-fé, em conformidade com as normas legais, e não houve qualquer fraude ao sistema, nem comprovação de danos materiais e morais à Ufal ou à sociedade, uma vez que suas condutas foram orientadas por todos os critérios estabelecidos pela legislação e, principalmente, pelo edital.
Paula Falcão

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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