Carlos Madeiro

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Reportagem

TJBA nomeia auditor por cota no TCE que foi reprovado como negro

Nomeado no último dia 1º de outubro pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado) da Bahia para o cargo de auditor estadual de controle externo, Bruno Gonçalves Cabral está no centro de uma polêmica que envolve a sua aprovação por meio de cotas raciais no concurso.

Ele teve a autodeclaração de negro reprovada pela comissão examinadora de heteroidentificação do concurso. E, por não ser considerado um homem pardo, perdeu a condição de tomar posse por meio do sistema de cotas raciais pelo qual se inscreveu.

Revoltado com a decisão, Cabral recorreu contra a avaliação da FGV (Fundação Getúlio Vargas), que organizou o processo seletivo, e teve o pedido negado em primeira instância. Mas, conseguiu uma liminar em segunda instância para que fosse nomeado até uma decisão de mérito.

A decisão, de 8 de julho, foi da juíza substituta e relatora do processo no TJBA, Maria do Rosário Passos da Silva Calixto. A posse de Bruno ocorreu junto aos outros 18 colegas no último dia 1º, em Salvador.

"Eu sempre me vi como pardo, todas as pessoas ao meu redor me vêm como pardo. Independentemente do resultado judicial — e eu posso perder, sim — continuo me vendo como uma pessoa parda", diz Bruno à coluna.

Ele ainda reclamou de como o processo tem sido abordado por meios de comunicação que publicaram a notícia, o que classifica de "ataque à minha imagem."

O meu processo não é o primeiro e nem vai ser o último nesse sentido. Esse tipo de processo é muito comum, a única coisa que fiz foi exercer o meu direito, tanto de me ver como pardo, quanto de recorrer ao judiciário. Todos podem fazer isso, e estão tentando acabar com a minha imagem, mas de uma forma muito injusta.
Bruno Gonçalves

Auditores que tomaram posse no dia 1º no TCE-BA
Auditores que tomaram posse no dia 1º no TCE-BA Imagem: TCE-BA

Avaliação viu homem branco

Segundo o relatório da comissão examinadora do concurso, a análise do fenótipo do candidato verificou que ele possui "pele branca, nariz alongado, boca com traços afilados e cabelos naturalmente não crespos."

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Tais características o enquadram, no fenótipo de uma pessoa socialmente branca, não passível de sofrer discriminação por cor/raça ou etnia, diante da aparência que assim apresenta. Dessa forma, rejeitamos a autodeclaração do candidato supracitado.
Banca da FGV

A juíza entendeu que há divergência entre a decisão da comissão e o laudo médico apresentado que "aponta que o Agravante [Bruno] tem 'pele morena, bronzeia com facilidade, fica pouco eritematoso". Além disso, ela cita "fotografias que apontam aparência de pessoa parda."

Nesse contexto, ao que tudo indica, há contradição entre o relatório médico, as fotografias apresentadas e as conclusões da banca examinadora.
Juíza Maria do Rosário Passos da Silva Calixto

Entenda o pedido

No pedido original, Bruno explica que decidiu concorrer às vagas reservadas para candidatos negros e realizou uma autodeclaração como pessoa parda, conforme os critérios do IBGE (que considera negros, pessoas pardas e pretas).

Ele afirma ainda que tem um avô pardo e anexou a foto dele ao processo.

Bruno ainda alegou que a decisão da comissão examinadora "foi genérica e desprovida de elementos concretos, configurando flagrante ilegalidade."

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Em consideração ao que se tem por base das características étnico-raciais de pessoas negras, cabelos escuros e ondulados, nariz de base larga, lábios volumosos de coloração acentuada e cor de pele morena, o agravante possui todos estes requisitos, é evidente, pois, a condição de pardo em que este se insere, sua natureza é explícita, suas características, ascendência e a comprovada vivência na sociedade como pessoa parda.
Defesa de Bruno

Para provar sua condição, ele apresentou laudo dermatológico "atestando fototipo entre 3 e 4 na escala Fitzpatrick", o que "classifica justamente pessoas de pele morena clara/média pertencentes ao fenótipo pardo."

Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia, essa escala Fitzpatrick, criada em 1976, classifica a pele em fototipos de um a seis, "a partir da capacidade de cada pessoa em se bronzear, assim como, sensibilidade e vermelhidão quando exposta ao sol."

As escalas:

  1. Pele branca: sempre queima - nunca bronzeia - muito sensível ao sol;
  2. Pele branca: sempre queima - bronzeia muito pouco - sensível ao sol;
  3. Pele morena clara: queima (moderadamente) - bronzeia (moderadamente) - sensibilidade normal ao sol;
  4. Pele morena moderada: queima (pouco) - sempre bronzeia - sensibilidade normal ao Sol;
  5. Pele morena escura: queima (raramente) - sempre bronzeia - pouco sensível ao sol;
  6. Pele negra: queima (raramente) - totalmente pigmentada - minimamente sensível ao sol.

Em contrarrazões, a FGV defendeu a decisão da comissão e alegou que já é pacificado como jurisprudência nacional que o "Judiciário não pode substituir a banca examinadora."

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O Judiciário não pode, também, no terreno frio de um processo, substituir uma Banca de especialistas em heteroidentificação, que examinam e decidem de forma colegiada sobre o encaixe de cada candidato aos critérios normativos que o permita gozar dos justos benefícios de um cotista.
Defesa da FGV

A FGV ainda lembra que a não concessão do benefício não retira o candidato da disputa, mas sim "apenas altera o transfere para a lista de ampla concorrência, passando a competir com todos os demais candidatos que não se inscreveram em qualquer modalidade de cota."

Procurado, o TCE-BA não se manifestou até o momento.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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