Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
2022, o ano que o STF virou bandeira de campanha
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Nas últimas décadas, era esperado ver nas campanhas presidenciais discussão sobre política, economia, segurança, educação, corrupção. Os ataques abaixo da cintura ao adversário eram do jogo e, nessas horas, entravam os juízes para separar a briga e dar razão a um dos lados. Em 2022, o cenário mudou. De simples árbitro das desavenças, o Judiciário passou a ser o motivo delas.
A 14 dias do segundo turno, Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro travam uma guerra pesada. Os temas principais passam longe dos clássicos de campanha e deslizam para o terreno da desinformação, da batalha religiosa, da misoginia, do crime organizado. Entre os novos motivos para ataques mútuos, o Judiciário tem lugar garantido.
No debate de hoje (16), Lula lembrou que Bolsonaro defendeu aumentar o número de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) de 11 para 16. Com uma composição maior, o poder de cada ministro acaba diluído. A tática foi usada em ditaduras para enfraquecer a corte.
Outra consequência do aumento de ministros seria Bolsonaro, caso reeleito, indicar mais integrantes para o tribunal, atingindo a maioria nas votações em plenário. O presidente escolheu apenas dois integrantes do STF. Quem ganhar nas urnas no fim do mês terá o direito de indicar outros dois, se o número de cadeiras permanecer o mesmo.
Temas aparentemente áridos, que antes eram circunscritos a brasileiros interessados pelo Direito, hoje são debatidos pelos presidenciáveis como questões decisivas na disputa pelos votos de última hora.
"Da minha parte está feito o compromisso, não terá nenhuma proposta", recuou Bolsonaro hoje sobre o aumento do número de ministros. Mas afirmou que Dilma Rousseff tentou a manobra.
Lula também acusou Bolsonaro de querer povoar o Supremo com amigos. Para o ex-presidente, os integrantes do tribunal precisam ter "história e biografia". Bolsonaro respondeu que o petista foi beneficiado por "um ministro amigo", que permitiu ao ex-presidente disputar a eleição deste ano. Referia-se a Edson Fachin, nomeado por Dilma Rousseff. O ministro anulou condenações de Lula na Lava Jato.
Dos Três Poderes da República, é natural que o Judiciário seja o vértice menos conhecido. Um dos motivos é não ser composto por pessoas eleitas. Outra possível razão é o fato de decisões políticas serem tomadas, em tese, pelo Executivo e pelo Legislativo, pela natureza de cada Poder.
Mas não tem sido bem assim. Nas últimas décadas, muitos foram os motivos de popularização do Judiciário - em especial, o STF. A chegada de processos criminais contra políticos influentes, como mensalão e Lava Jato, contribuiu para esse fenômeno.
Outro fator: muitos temas que o Congresso Nacional não consegue decidir acabam sendo levados para o Supremo pelos próprios parlamentares e partidos - que, depois, reclamam da suposta judicialização da política.
Por fim, as recentes decisões do STF em defesa de minorias ignoradas pelo Congresso e pelo Palácio do Planalto deram destaque para o Judiciário. Entram nesse grupo o reconhecimento de uniões homoafetivas e o direito de mulheres interromperem gestações de fetos com anencefalia.
Mas nada disso incomoda mais Bolsonaro do que Alexandre de Moraes, tido pelo presidente como mais perigoso inimigo no Judiciário. O ministro conduz inquéritos no STF contra Bolsonaro e aliados, além de presidir o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Pelo histórico decisório, não se pode dizer que Moraes seja amigo de Bolsonaro. Ainda assim, em decisão tomada pouco antes do debate de hoje, o ministro proibiu que Lula usasse na campanha o trecho em que o presidente diz ter "pintado um clima" com uma menina de 14 anos. Segundo Moraes, a fala não pode ser considerada pedofilia, porque foi retirada do contexto.
Bolsonaro não agradeceu nem criticou Moraes. Mas a decisão deu respaldo para o presidente criticar Lula durante o debate, pela tentativa de associá-lo à pedofilia. No episódio, Moraes mostrou que não age por amizade ou inimizade. Bolsonaro mostrou que uma decisão do STF só é atacada quando não lhe agrada.
No Judiciário, ninguém se engana que, se o presidente for reeleito, a relação entre o Planalto e o Judiciário continuará péssima. Há esperança de distensão entre os Poderes com a vitória de Lula. O discurso de ambos os candidatos sinaliza isso, ainda que Bolsonaro tenha feito parecer que amansou.
De qualquer forma, quem quer que vença a eleição sabe que o papel do STF se alastrou nos últimos anos para além do mundo jurídico. Na campanha, os candidatos descobriram a importância de incluir o Judiciário na pauta do país.
Para governar, os dois também sabem que brigar ou respeitar o Judiciário pode trazer danos e benefícios. No caso de Bolsonaro, atacar o Judiciário é uma forma de conversar diretamente com a militância clássica que o elegeu. Lula tenta percorrer o caminho oposto.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.