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'Atos antidemocráticos não acabam em janeiro', diz Transparência Eleitoral
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Em entrevista à coluna, a coordenadora nacional da Transparência Eleitoral Brasil, Ana Cláudia Santano, alerta que os movimentos antidemocráticos surgidos ao longo do governo de Jair Bolsonaro e que ganharam destaque depois das eleições vieram para ficar.
Ela defende que as instituições brasileiras dialoguem com esses grupos, mas não deixe de investigar os financiadores.
Passada a eleição, ainda existem grupos que protestam contra os resultados nas ruas e nas redes sociais. Eles são uma ameaça à democracia?
Não dar protagonismo a esses movimentos já é uma grande decisão. O que eles querem é ganhar agenda. A gente precisa colocar esses movimentos na importância que eles têm. Eles são Importantes do ponto de vista sociológico. Entendo que as pessoas estejam frustradas com a derrota nas urnas, porque esse processo eleitoral foi muito visceral. Mas perdeu, perdeu. Não entendo que seja uma maioria, não entendo que eles deveriam receber maior importância do que as instituições já estão dando. A gente precisa saber quem está financiando e precisa saber lidar com esses movimentos, porque eles não vão acabar. É preciso estabelecer um diálogo, escutar esse povo. A partir do momento que se desqualifica esse movimento, que se diz que são pessoas que não pensam, ele se fortalece. É um argumento elitista para algo que está no meio de nós. Tem muita gente bem capaz que está no meio disso. Sem desqualificar, é preciso estabelecer dialogo. Mas eles precisam entender que o resultado é esse e acabou.
A senhora acredita que esses movimentos ainda duram muito?
Eu sou resistente a pensar que esses movimentos antidemocráticos vão acabar no dia 1º de janeiro. Acho que não. É uma coisa a se trabalhar muito. É o que aconteceu nos Estados Unidos. Mesmo depois do capitólio, os grupos mais radicais estão nas ruas hoje pregando as mesmas coisas. Essa retórica ainda vai durar no Brasil.
A senhora considera as instituições brasileiras fortes o suficiente para combater esses movimentos?
As instituições brasileiras precisam saber que não é uma tarefa a ser cumprida. Ou seja, o trabalho de esclarecimento sobre o sistema eletrônico de votação tem que continuar. Esse é um trabalho a ser feito por muito tempo, por muitas eleições.
Uma democracia comporta questionamento ao resultado das eleições?
É importante que se reconheça resultados legítimos. O processo eleitoral foi realizado dentro no marco de legalidade e integridade. Qualquer questionamento a esses resultados deve atender à via institucional, baseado em provas e fatos. Qualquer outro tipo de questionamento a esses resultados não pode ser considerado democrático. Seria uma forma de insurgência contra a democracia, e isso a gente não pode permitir. Até porque, se for para questionar, tem que questionar todos os cargos, porque eles foram eleitos pelo mesmo sistema, pela mesma urna eletrônica. A gente precisa se pacificar por meio dos valores democráticos, reconhecer o resultado e seguir adiante.
Até a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, a democracia corre risco?
Institucionalmente, está tudo certo, não temos nenhuma demanda jurídica formal contestando o resultado da eleição. Se tivesse, seria de direito da campanha derrotada, desde que baseada em fatos e provas. Já temos uma transição governamental em andamento e o reconhecimento internacional dos resultados. O que está acontecendo é que setores muito específicos da sociedade que não aceitam o resultado que é legitimo. No fundo, eles não aceitam a derrota. É uma não conformidade com os valores democráticos, porque essas pessoas não aceitam a democracia.
No cenário internacional, havia a preocupação de que, se o Brasil não conseguisse controlar a onda antidemocrática e garantir a realização das eleições, isso poderia ressoar em outros países. A senhora concorda com essa avaliação?
Concordo. O Brasil é gigante no mapa das Américas e é um ator geopolítico muito relevante. O Brasil também é estratégico em pautas mundiais - sejam liberais, ou conservadoras. Ganhar o Brasil é ganhar um peso na causa do ponto de vista regional. A extrema direita está alinhada com outros países. Estamos vendo aqui um manual da extrema direita que a gente já viu em outros países. Pegar, por exemplo, o símbolo nacional como uma bandeira politica. Isso denota a participação do Brasil em um alinhamento internacional dessa agenda.
O fato de a extrema direita ter sido derrotada no Brasil enfraquece o movimento na América Latina e no mundo?
É difícil fazer essa afirmação. A extrema direita foi derrotada nas urnas, mas não sabemos como vai ser o governo Lula. A extrema direita não acabou, ela continua, por meio de uma presença bastante significativa no Congresso Nacional, em muitas assembleias legislativas e em câmaras de vereadores. Muitas mentalidades ainda vão carregar a pauta da extrema direita ao longo do governo Lula. A gente ainda não sabe qual vai ser o encaminhamento interno desses grupos no novo contexto. Vamos fazer uma comparação com o caso do Capitólio. Eles também tinham grande representação no Congresso estadunidense, elegeram ultra conservadores e estão brigando hoje pela eleição de mais senadores e deputados com a mesma pauta. O presidente é uma pessoa. Mas, quando a gente olha para os 513 deputados, os 81 senadores e mais os deputados estaduais, vereadores, prefeitos e governadores, numericamente, eles estão vivos.
Qual a avaliação da senhora sobre esse resultado tão apertado das eleições brasileiras e de outros países da América Latina?
As eleições, principalmente as latino-americanas, se baseiam em opções ideológicas muito marcadas. O centro vem sendo abandonado nas últimas eleições e vem surgindo uma identificação maior dos extremos. Isso acontece, no geral, porque as nossas sociedades são profundamente desiguais, incluindo os Estados Unidos. Mas há diferença entre o eleitorado dividido e o eleitorado rachado, que é o grande valor atribuído à institucionalidade e à democracia. Em alguns casos, a gente verifica que a democracia não vem sendo mais reconhecida como uma forma de solução pacífica de conflito. Antes a gente pensava: "Vamos votar e aquele que ganhar, ganhou". Isso é uma forma de solução pacífica de conflito. Mas, como a democracia vem sendo enfraquecida, principalmente onde as desigualdades são muito fortes e a ideia de justiça é muito apagada, quase nula, a democracia não dá conta de pacificar a sociedade, daí partimos para outros espaços de disputa.
As eleições recentes na América Latina seguiram algum tipo de padrão?
O José Antonio kast (derrotado da eleição chilena de 2021 pelo esquerdista Gabriel Boric) tem muitas semelhanças com Jair Bolsonaro, mas a diferença de postura é muito grande. O Kast sabe que a democracia chilena carrega uma série de pactos civilizatórios que não permitem qualquer ilação ou discurso politico de não reconhecimento do resultado da eleição. No Uruguai, grupos historicamente opositores estavam juntos na mesma foto. Ali, eles são adversários, não são inimigos. A democracia faz com que adversários se enfrentem e disputem um cargo, não que existam inimigos se eliminando da arena pública. Essa diferença de visão de mundo é que produzem posturas diversas. Por isso, não acho que seja possível observar um padrão. O que podemos afirmar, sem dúvida nenhuma, é que vivemos um dos tempos mais desafiadores para a democracia. Nessa construção de projetos políticos, a gente vê alguns projetos que tentam se sobrepor a outros em um plano de eliminação de outro grupo. Daí se ataca a democracia.
Como a senhora avalia o papel do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) como garantidor da legitimidade das eleições deste ano?
Pela primeira vez, o TSE assumiu um protagonismo ímpar e talvez a gente vá colher certos frutos no futuro. O TSE precisa mesmo traçar quais são as regras do jogo e reafirmar o cumprimento dessas regras diante de uma campanha que não se curvou a regras. Às vezes, um juiz mais duro é necessário, mas essa dureza precisa vir com garantias, transparência e limites. Porque o TSE pode muito, mas não pode tudo.
O TSE acabou personificado na imagem do ministro Alexandre de Moraes, um juiz conhecido por ser rigoroso. Muitas vezes, as críticas foram direcionadas a ele, e não ao tribunal. A senhora vê problema nisso?
Acho péssima a personalização de instituições. Isso não aconteceu só com o ministro Alexandre de Moraes. Isso já estava acontecendo também no STF (Supremo Tribunal Federal). A gente não pode dizer que é uma decisão do ministro Alexandre de Moraes ou do ministro Luís Roberto Barroso. É uma decisão do tribunal. Colocar nomes em decisões sempre é ruim, porque destaca a pessoa, e não a instituição. Isso confunde a mensagem para a sociedade, que não tem conhecimento técnico para diferenciar instituição de autoridade e acaba mirando quem aparece na vitrine. Por outro lado, essa personificação faz com que o conflito institucional seja um conflito pessoal. Isso gera uma espetacularização q acho q não é positivo em momentos de crise. As pessoas não querem saber do acerto ou do erro do presidente Jair Bolsonaro ou do ministro Alexandre de Moraes, elas querem saber qual é o próximo capitulo desse conflito público, como se fosse série de TV.
A senhora considera que o ministro Alexandre de Moraes se excedeu na forma como conduziu o processo eleitoral?
Existem decisões polêmicas, que a gente vai poder discuti-las durante algum tempo, como essa questão da suposta censura à imprensa e às redes sociais. Censura é prévia. Adiar o lançamento de um documentário potencialmente influenciador do momento politico, por exemplo, não me parece ser censura, me parece que é traçar a linha da regra do jogo. O ministro Alexandre de Moraes teve que usar das suas armas institucionais para manter as eleições dentro de um espaço institucional. Porque o que a gente viu entre o primeiro e o segundo turno, foi uma onda de desinformação muito grande. A corte teve que mudar de atitude. Geralmente, o TSE coloca a liberdade de expressão e de propaganda em primeiro lugar. Só que, dessa vez, a gente não estava vendo campanhas, a gente estava vendo uma onda de desinformação e uma propaganda de baixa qualidade. Não se estava discutindo política. A discussão era sobre quem era pedófilo, maçônico, ou canibalista.
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