PF repete modelo Palocci e atropela PGR para fechar delação com Mauro Cid
Em 2017, a defesa de Antonio Palocci bem que tentou, mas não convenceu a equipe de Raquel Dodge, então procuradora-geral da República, a firmar com o réu acordo de delação premiada. No ano seguinte, os advogados do ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil pegaram um atalho: procuraram diretamente a Polícia Federal para fechar o acordo.
O expediente, embora previsto por lei, era pouco usual. Na gestão anterior da PGR (Procuradoria-Geral da República), Rodrigo Janot fez acordos de colaboração com investigados da Lava Jato sem qualquer parcimônia - entre eles, os 77 executivos da empreiteira Odebrecht.
O acordo assinado entre Palocci e a PF comoveu o meio jurídico na época. Afinal, a PGR estava sendo atropelada no processo. A esquerda também ficou alarmada. Havia a sensação de que o método era uma forma de prejudicar politicamente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT a qualquer custo.
Passados seis anos, a defesa do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, percorreu o mesmo caminho. Ao fechar acordo de delação diretamente com a Polícia Federal, deu de ombros para a negativa da PGR - hoje, comandada por Augusto Aras. Na gestão Bolsonaro, o procurador foi apontado como aliado importante do presidente.
Às vésperas da eleição de 2018, o juiz Sérgio Moro, que conduzia a Lava Jato em Curitiba, quebrou o sigilo da delação de Palocci. Cristiano Zanin, que defendia Lula e hoje é ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), protestou. Disse que o magistrado tomou a decisão para interferir no resultado da eleição. E não se cansava de dizer à imprensa e à Justiça, nos recursos apresentados, que Palocci mentiu.
Em 2020, a acusação de Zanin foi confirmada por um relatório da PF que desmentia informações dadas pelo ex-ministro petista no acordo de colaboração premiada. O STF decidiu retirar a delação de Palocci da ação penal contra Lula que tramitava na vara de Curitiba. Lula fora acusado de receber propina da Odebrecht na forma de um terreno para construção do Instituto Lula, em São Paulo.
Em abril de 2018, Raquel Dodge declarou que o acordo com Palocci precisaria "ser avaliado com muito cuidado". Ontem, Aras deu declaração no X, o antigo Twitter, como se complementasse a afirmação da colega: "A PGR não aceita delações conduzidas pela Polícia Federal, como aquelas de Antonio Palocci e de Sérgio Cabral, por exemplo".
No fim das contas, o problema da delação de Palocci não foi ter sido fechada diretamente com a PF. A falta de cuidado na qual o acordo foi conduzido, somado aos prováveis interesses políticos por parte dos investigadores, fez da delação um verdadeiro fiasco jurídico com consequências políticas para o PT de Lula.
Neste sábado, o ministro do STF Alexandre de Moraes homologou o acordo firmado entre a PF e Mauro Cid. Decidiu ignorar a opinião de Aras. O movimento mostra como STF e PF estão unidos - agora, ironicamente, em torno de uma delação que tem tudo para prejudicar Bolsonaro e beneficiar Lula.
Também no X, o ministro da Justiça, Flávio Dino, declarou neste sábado: "Minhas homenagens à equipe da Polícia Federal que atuou para o andamento da colaboração premiada do Sr. Mauro Cid. A Polícia Federal atuou com seriedade, profissionalismo e pleno atendimento à Constituição, às leis e à jurisprudência do STF".
Sim, as leis e a jurisprudência de 2017, que eram contrárias aos interesses de Lula, hoje estão a favor do petista. Em 2015, auge da Lava Jato, Janot anunciou: "Pau que dá em Chico dá em Francisco". O contexto era outro, mas vale para 2023.
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