Barroso assume comando do STF com dilema: pautar ou não aborto e drogas?
Com a posse na presidência do STF (Supremo Tribunal Federal) marcada para quinta-feira (28), Luís Roberto Barroso tem diante de si um dilema: agendar ou não a continuidade dos julgamentos das ações sobre descriminalização do aborto e do porte de drogas.
Os dois temas mais polêmicos da pauta de costumes do tribunal têm potencial para azedar a relação da cúpula do Judiciário com o Congresso Nacional. Recentemente, parlamentares reeditaram a crítica segundo a qual o Supremo estaria usurpando competências do Legislativo ao enfrentar certos temas. A última faísca nessa chama foi provocada pelo julgamento que derrubou a tese do marco temporal para demarcações de terras indígenas.
Na história recente do Supremo, a missão dos ministros que assumem a presidência tem sido tentar amenizar conflitos entre os Poderes - o que nem sempre surte efeito, devido à quantidade de temas polêmicos judicializados.
Nesse cenário, o presidente deve ser "algodão entre cristais, não pode ser metal entre cristais", como diria o ministro aposentado Marco Aurélio Mello. Ou seja, é preciso escolher os temas a serem pautados, de modo a diminuir os atritos internos e externos.
As pautas polêmicas de costumes trazem em si outro risco: revelar a verve conservadora da composição atual do plenário. Em agosto, os ministros derrubaram a decisão que permitia a presas transexuais e travestis com identidade de gênero feminino pudessem escolher cumprir pena em presídio feminino ou masculino. O placar foi de seis votos a cinco.
O julgamento mostrou que a corte, antes disposta a impulsionar direitos das minorias, agora não tem necessariamente o mesmo perfil. Depois de decisões progressistas - como o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo e a autorização do aborto para grávidas de fetos com anencefalia -, a formação do tribunal mudou. Com isso, o resultado de julgamentos sobre temas semelhantes podem ser desfavoráveis aos grupos mais vulneráveis.
Barroso, que costuma se alinhar ao grupo mais progressista do tribunal, sabe que hoje está na corrente minoritária. A balança mudou com a chegada de André Mendonça e Kassio Nunes Marques, nomeados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Cristiano Zanin, escolhido por Luiz Inácio Lula da Silva, chegou para garantir a maioria conservadora. Deu mostras disso ao votar contra a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal e contra a equiparação da homofobia ao crime de injúria racial.
O julgamento sobre o porte de drogas está em cinco votos a um e foi interrompido por pedido de vista. No caso do aborto, apenas Rosa Weber se manifestou em prol da descriminalização e, da mesma forma, a votação foi interrompida por pedido de vista.
Como presidente do STF, caberá a Barroso decidir a pauta do plenário. A interlocutores, ele disse não ter decidido quais serão as prioridades no primeiro momento da gestão. O ministro terá dois meses e meio até que as atividades do tribunal sejam interrompidas pelo recesso.
Se quiser pautar os temas de costumes de imediato, terá de equilibrar os cristais com os parlamentares e lidar com o risco de estar no time derrotado. A alternativa é deixar os casos adormecidos até visualizar mudança no cenário no Supremo.
A opção de não priorizar os processos sobre aborto e drogas foi a adotada pelos últimos presidentes do STF. A ação sobre o aborto chegou ao tribunal em março de 2017 e a das drogas, em fevereiro de 2011. Desde então, as causas têm sido escanteadas - especialmente porque, para boa parte dos ministros, o melhor seria o Congresso e o governo federal decidirem sobre os temas.
Por ora, a única certeza na pauta de Barroso é a continuidade dos julgamentos dos réus do 8 de janeiro. A tendência é que os processos ocupem, majoritariamente, o plenário virtual. O ministro terá, portanto, até o fim do ano para preencher as sessões do plenário físico com os temas que considere prioritários. Serão pelo menos 18 sessões, sem contar as que poderá convocar em caráter extraordinário.
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