Processos do 8/1 e exumação da Lava Jato têm força para rachar o Supremo
O STF (Supremo Tribunal Federal) iniciou uma espécie de exumação da Lava Jato em dezembro, quando o ministro Dias Toffoli suspendeu o pagamento de multas decorrentes de acordos de leniência firmados entre empresas acusadas de corrupção e o Ministério Público Federal. Nesta terça-feira (27), o cadáver foi revirado publicamente na sessão da Segunda Turma do tribunal.
A tentativa do STF de ler a Lava Jato de trás para frente não significa necessariamente subversão de toda a ordem estabelecida antes. Mesmo com a composição diferente dos primórdios da operação, a Segunda Turma reviveu hoje seus dias de Jardim do Éden. O colegiado ganhou o apelido na época por tratar os acusados de corrupção de forma mais branda do que a Primeira Turma do tribunal.
Na época, a Segunda Turma chegou a ser apontada como terra do garantismo - a corrente do Direito que prioriza as garantias individuais do acusado. Os ministros da Primeira Turma não engoliram o rótulo. Afinal, ser chamado de punitivista como contraponto ao garantismo seria o mesmo que dizer que a outra metade do STF condenava sem observar direitos e garantias dos réus.
Ao menos nos temas penais, o Supremo ficou internamente dividido durante os julgamentos da Lava Jato. A sessão de hoje da Segunda Turma mostrou que o tribunal pode viver outra cisão agora - com novos e antigos ministros, com novos e antigos processos.
Em contraposição ao Jardim do Éden, a Primeira Turma era chamada de Câmara de Gás, por tratar acusados de corrupção com maior rigor - seja nas condenações, seja nas penas impostas. Agora, o enredo tem tudo para se repetir.
O ponto de virada da Primeira Turma também foi em dezembro, quando o tribunal decidiu transferir o julgamento das ações penais do plenário maior, com os onze ministros, para as turmas, que têm cinco cada (o presidente da corte não integra as turmas). O ministro Alexandre de Moraes está na Primeira Turma. Portanto, os processos sobre a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 serão julgados no colegiado.
A Primeira Turma é composta de ministros que, de modo geral, acompanharam os votos de Moraes pela condenação e pela imposição de penas rígidas aos acusados em decorrência dos atos de 8 de janeiro. Além do relator dos processos, estão no colegiado Cármen Lúcia, Flavio Dino, Luiz Fux e Cristiano Zanin.
Integram a Segunda Turma Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Kassio Nunes Marques, André Mendonça e Edson Fachin. Na sessão de hoje, André Mendonça explicou a decisão tomada por ele na segunda-feira (26), quando autorizou a renegociação de acordos de leniência fechados na Lava Jato. As empresas e órgãos de controle terão 60 dias para a renegociação. Nesse período os pagamentos das multas acertadas nos acordos ficarão suspensos.
A decisão foi uma forma de amenizar a liminar de Toffoli - mas, ainda assim, um refrigério para as empresas. Por conta da negociação, Mendonça pediu para a turma adiar o julgamento do processo. Gilmar Mendes aproveitou a ocasião para fazer o que fez ao longo dos últimos anos: criticar os métodos de investigação da Lava Jato, que levaram à ascensão e, depois, à queda de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e companhia.
Mendes acrescentou que o Ministério Público Federal não teria legitimidade para firmar acordos de leniência. Como nos velhos tempos, o ministro sinalizou aliança com Toffoli. Também como nos velhos tempos, Fachin estava em minoria e defendeu a legalidade dos acordos do Ministério Público que ele homologou durante a Lava Jato.
André Mendonça e Nunes Marques, que não estavam no tribunal no ápice da Lava Jato, ensaiam suas posições. Ao que parece, mesmo com a composição da Segunda Turma mudada, Fachin continuará sendo minoria. Agora, o prognóstico é ainda pior para o ministro, que não tem mais a parceria de Cármen Lúcia no placar dos julgamentos. A colega foi transferida para a turma vizinha.