TCU segue STF e passa Lava Jato a limpo: 'Supremacista', diz presidente
Com dez anos de idade, a Lava Jato tem sido submetida a uma espécie de reforma. Primeiro, o ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu o pagamento das multas fixadas nos acordos de leniências firmados entre empresas acusadas de corrupção e o Ministério Público Federal.
Do outro lado da rua, o TCU (Tribunal de Contas da União) decidiu na terça-feira (5) que não houve irregularidade grave em operações do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), ao contrário do que apregoaram os investigadores da Lava Jato.
Em entrevista à coluna, o presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, afirmou que o momento agora é de depuração dos excessos cometidos pela Lava Jato. Segundo ele, a Lava Jato era "supremacista", por tentar excluir das investigações outros órgãos de controle —como o TCU e a CGU (Controladoria-Geral da União).
Passados dez anos do início da operação, como o senhor avalia a Lava Jato hoje?
Bruno Dantas - O TCU sempre foi crítico dos métodos da Lava Jato. Claro que nós não avaliamos os métodos criminais, mas a Lava Jato tinha uma postura supremacista, como se só o Ministério Público Federal tivesse legitimidade e competência constitucional para tratar daqueles assuntos. Desde o início, eles tentaram tolher a competência de outras instituições de fiscalização. Tentaram fazer isso com a CGU, o TCU, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). O TCU sempre teve altivez para reafirmar a competência constitucional para dar a última palavra sobre dano ao erário. O que o Ministério Público fez pode ser uma grande contribuição, mas nós vamos continuar calculando o dano ao erário.
O julgamento desta semana mostra que houve exagero por parte dos procuradores da Lava Jato?
Foi o primeiro julgamento de mérito sobre aquilo que se denunciou sobre o BNDES e, de certa forma, recoloca as coisas em seus devidos lugares. Houve falha no desenho da politica pública de incentivo à exportação de bens e serviços para o exterior? Houve, o plenário do TCU assentou isso. Mas houve dolo ou erro grosseiro daqueles servidores do BNDES que participaram da definição de uma politica de exportação de serviços? O plenário do TCU decidiu que não havia provas suficientes para punir esses servidores.
A Lava Jato errou no caso do BNDES?
A Lava Jato teve uma frente importante, que apontou corrupção no BNDES e deu origem a vários processos, muitos, no TCU. O BNDES tem cerca de 2.000 empregados. Desses, 500 respondem a processo no TCU. É obvio que isso não é razoável, é claro que isso não é proporcional. O que o tribunal fez na terça-feira foi colocar as coisas em seus devidos lugares, com tranquilidade. Nós vivemos um momento, no passado, de muita tensão institucional. Que bom que o processo no TCU teve um tempo para depurar isso. Essa também é uma característica do TCU. Os auditores fazem relatórios muito profundos e isso leva tempo, leva três ou quatro anos, especialmente quando se fala de 70 operações de crédito com um desenho financeiro sofisticado. Dá tempo de decantar as emoções e de ver o que tem de fato de problema. A decisão mostra que o tribunal trabalha com prova. A lei fala que o gestor só pode ser punido por dolo (intenção de cometer ilegalidade), por erro grosseiro. Pode até ter tido erro, mas não foi grosseiro. Não foi detectada incúria, abaixo da média, de um ser humano.
O STF tem feito uma releitura dos acordos de leniência. Os ministros que se manifestaram até agora entenderam que houve certa exacerbação, que os acordos foram firmados em parâmetros à margem da legislação. Olhando para os processos que estão no TCU, houve exagero também ao se abrir tantos deles com base em indícios levantados pela Lava Jato?
A abertura de processo é razoavelmente trivial no TCU. O problema era o barulho que se criava quando se abria o processo, como se a pessoa estivesse sendo condenada. Nesses casos do BNDES, as pessoas foram condenadas em praça pública. Teve operação de busca e apreensão da Polícia Federal dentro do BNDES. Ninguém foi condenado. De certa forma, houve potencialização do significado da abertura de um processo. Não acho que o TCU exagerou ao abri-los.
Por que foram abertos processos contra tantos servidores?
Houve um problema na época, que conduziu à abertura de processo contra os servidores: o BNDES, numa postura corporativista, em vez de dizer quais eram as funções de cada servidor, para que o TCU pudesse individualizar as responsabilidades, informou que todos eram responsáveis por tudo. E o TCU abriu processo contra todos. Então tem 120 funcionários do banco respondendo a um só processo. Mas a falha não foi nossa, foi do BNDES. Claro que, no momento de abrir o processo, tinha que ser contra todos. Mas, no momento de condenar, de julgar, nós tínhamos que individualizar as condutas. E foi isso que o tribunal fez: analisou conduta por conduta, indivíduo por indivíduo.
Quando se observa o julgamento de tantos servidores sem condenação, pode-se pensar que o tribunal é leniente com irregularidades. Como o senhor vê isso?
A abertura do processo é o momento de se colher elementos, avaliar provas, examinar as defesas. É para isso que existe o princípio do contraditório, da ampla defesa. Acredito que o resultado do julgamento foi satisfatório. O tribunal mostrou capacidade institucional e resiliência institucional para promover todas essas apurações e apresentar uma conclusão justa. Teremos outro julgamento daqui a um mês, de outros processos sobre o BNDES. Pode ser que alguns servidores sejam condenados, mas a partir de uma avaliação individual de responsabilidade.
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