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Chico Alves

Perguntas incômodas não são bem-vindas no cercadinho de Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro, cumprimenta as pessoas que o esperavam na porta do Palácio da Alvorada - Antonio Cruz - 30.ago.19/Agência Brasil
O presidente Jair Bolsonaro, cumprimenta as pessoas que o esperavam na porta do Palácio da Alvorada Imagem: Antonio Cruz - 30.ago.19/Agência Brasil

Colunista do UOL

16/01/2020 13h43

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De fisionomia tensa como sempre, franja esvoaçante e gestos largos, o presidente Jair Bolsonaro foi mais uma vez hoje ao cercadinho próximo ao Palácio da Alvorada para atacar jornalistas e ouvir aplausos da claque. "Você não tem vergonha na cara?", esbravejou ele, ao repórter da Folha de S. Paulo que fez uma pergunta sobre os rolos de Fábio Wajngarten. Foi aplaudido.

Fugindo do assunto levantado pelo jornalista, Bolsonaro reclamou da "perseguição" que diz sofrer por parte do jornal. "Acabou a mamata", gritou. Novamente, a torcida bolsonarista reagiu com urros de satisfação.

Talvez o grupo de populares que estava no cercadinho esta manhã não saiba, mas a única mamata à vista no momento está aninhada justamente na cúpula do governo de Jair Bolsonaro. Como revelou a Folha, a empresa de Wajngarten, secretário de Comunicação da Presidência, recebe um bom dinheiro das empresas que ele próprio indica como destinatárias da verba pública.

Na verdade, os personagens que frequentam o cercadinho do Planalto parecem não saber de muitas coisas — e também não estão interessados em saber. Quem se aglomera naquele espaço vai até lá para mostrar admiração incondicional pelo jeitão bronco do presidente. A claque riu quando ele fez comentários machistas sobre a primeira-dama da França, quando falou a um desempregado que o rapaz não conseguia trabalho por causa do "bafo" e vai ao delírio toda vez que o presidente ofende um jornalista, como aconteceu hoje.

Os que pensam diferente daquele fã-clube ficam fora do cercadinho. No portal de acesso, seguranças têm orientação de impedir a entrada de faixas ou outros itens com frases de oposição, e ficam bem atentos para garantir que o grupo seja formado por 100% de apoiadores.

Daquele lado do cercadinho já partiram aplausos para os elogios de Bolsonaro à Ditadura Militar, para as ofensas grosseiras a adversários políticos e para comentários homofóbicos. Na cabeça dos que frequentam o espaço, assim como na do próprio presidente, a imprensa deveria apenas rasgar elogios ao atual ocupante do palácio, atacar aqueles que ele tiver como adversários e se abster de dar opinião. Querem um comportamento bem diferente do que os jornalistas tiveram durante os governos de Lula, Dilma e Temer, quando certamente a claque vibrava com o que lia no noticiário.

Talvez a torcida organizada do Alvorada não saiba que fora do cercado há muitos que pensam diferente. São brasileiros que esperam da imprensa que cumpra o papel de fiscalizar os governantes e apontar seus erros, quer eles gostem ou não.

É em respeito a esses milhões de brasileiros que jornalistas vão para aquele lugar inóspito fazer perguntas a Bolsonaro, sob risco de receber como resposta impropérios de todo tipo. Os aplausos e urros eufóricos da turma do cercadinho não os farão desistir.

Amanhã mesmo, um outro repórter estará naquele mesmo cantinho para repetir a pergunta: "E o Fábio Wajngarten, presidente?".