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Chico Alves

Rigoroso com a base de servidores, Guedes defende aumentar supersalários

O ministro da Economia, Paulo Guedes - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
O ministro da Economia, Paulo Guedes Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

10/09/2020 04h00

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Incensado por economistas e boa parte dos jornalistas como pilar do governo de Jair Bolsonaro, o ministro da Economia já mostrou que não é essa maravilha — muito pelo contrário. Apesar disso, não desce do pedestal. Mantém os seguidores hipnotizados com a defesa de alguns dogmas que muitos acreditam ser a salvação do Brasil.

Um desses fetiches é a palavra "reforma". Como um alakazam moderno, basta pronunciar a senha para que o séquito se ajoelhe e aceite todas as falácias que Guedes vende como se fossem verdades.

Quando chegou ao cargo, já tinha sido feita a revisão trabalhista e ele defendeu as mudanças previdenciárias com a promessa de que os investidores derramariam muito dinheiro no Brasil. Concluída a tarefa, o que se viu, mesmo antes da pandemia, foi um acelerado movimento de fuga de investidores do mercado brasileiro.

A reforma do momento é a administrativa. Em prol dessa meta, o responsável pela pasta da Economia e seu desafeto, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, se dedicam à mesma tarefa. Ambos pretendem desvalorizar os servidores públicos para mudar o que quiserem.

Os dois se revezam nas caneladas.

Primeiro, Maia disse que não existe produtividade no serviço público, o que a coluna mostrou que é inverdade.

Depois, foi a vez de Guedes fazer contorcionismo verbal para defender a incrível tese de que os servidores que têm supersalários devem ganhar ainda mais e aqueles que ganham pouco devem receber ainda menos.

Além de injusto, é um raciocínio no mínimo curioso para quem defende que a tal reforma será feita para aliviar os cofres públicos que não suportam a despesa.

Em seminário virtual realizado ontem pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, o ministro perdeu o freio. "Os salários da alta administração brasileira eu acho que são muito baixos", defendeu.

Não parou por aí. "Tem que haver uma enorme diferença de salário, sim, na administração brasileira", comentou o titular da Economia, ao defender a meritocracia e criticar uma distribuição "socialista" (!) da remuneração no serviço público brasileiro.

Guedes aplica a lógica de instituições bancárias ao funcionalismo, assim como um açougueiro administraria uma loja de perfumes. Não entendeu ainda que são os pequenos, na ponta do serviço público, que garantem o bom atendimento aos cidadãos.

Foi seguindo essa lógica elitista que ele suspendeu vários concursos públicos. Com isso, o ministro da Economia levou setores do governo à paralisação. Um bom exemplo é o déficit de funcionários na Previdência, que acabou resultando em uma fila de espera de meses para apreciação de pedidos de aposentadoria e outros benefícios.

A proposta do governo prevê redução de salários dos que ingressarem nos serviço público no futuro e restrição da estabilidade dos bagrinhos. Aos que estão no topo, Guedes acena com mais privilégios, como se o serviço que os brasileiros procuram dependesse mais dos luminares que ocupam salas refrigeradas do que dos dedicados funcionários que suam a camisa para tentar superar a falta de recursos e a escassez de pessoal.

É sempre bom lembrar que o ministro da Economia é o mesmo que sugeriu pagar R$ 200 de auxílio emergencial. Graças ao Congresso, que o contrariou, o benefício aprovado foi de R$ 600, o que manteve alguma atividade econômica funcionando durante a pandemia.

Guedes é o mesmo que pretendia deixar municípios e estados sem o Fundeb no ano que vem, sem se importar com o caos que isso acarretaria para o ensino brasileiro.

É exatamente o mesmo ministro que gostaria de cortar o BPC na reforma da Previdência, aquele benefício que mantém a sobrevivência de idosos e pessoas incapacitadas.

Na reforma que vem pela frente, Guedes mais uma vez faz jus ao seu retrospecto: quer arrochar os servidores mais humildes e engordar os supersalários.

Vindo de quem vem, nada mais espanta. Na primeira proposta, o Ministério da Economia deixou de fora os parlamentares, os magistrados, os militares e os integrantes do Ministério Público.

Em reportagem da Folha de S. Paulo, os jornalistas Bernardo Caram, Fábio Pupo e Thiago Resende mostraram que as carreiras poupadas representam 48% do valor gasto pelo Executivo federal com todos os funcionários públicos.

Diante disso, fica difícil dizer que essa reforma será feita em nome do enxugamento de gastos.

Mas sempre haverá quem o diga, mesmo sabendo que não é verdade.