Reforma de Guedes preserva supersalários e arrocha servidor que ganha menos
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Empenhado nos últimos tempos em tocar a reforma administrativa, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem usado uma estranha matemática para construir sua proposta. Defende com unhas e dentes os supersalários, ao mesmo tempo em que propõe redução de remuneração e direitos dos servidores que estão na base da pirâmide.
Se levarmos em conta que um dos principais motivos da reforma é o enxugamento de gastos, a equação de Guedes não faz nenhum sentido.
Pior são os argumentos usados na exposição de sua tese. Para o ministro, os funcionários de alto escalão, que estão no topo da ladeira salarial, têm remuneração "relativamente baixa" em comparação com o que poderiam ganhar na iniciativa privada. Já um jovem recém-formado, crítica Guedes, recebe salário alto ao passar em um concurso público.
Seguindo esse raciocínio torto, nosso Robin Hood às avessas quer tirar de quem ganha pouco para remunerar melhor quem ganha mais — lógica que, aliás, é a linha-mestra das ações do Ministério da Economia para todos os brasileiros.
Na cabeça confusa de Guedes, ministros e funcionários de alto escalão merecem ter salários competitivos, mas médicos, enfermeiros, professores, engenheiros e demais profissionais do serviço público, não. A tal meritocracia só vale para cima.
Talvez por quase nunca ter precisado recorrer ao serviço público em seus 71 anos de vida, o chefão da Economia desconheça que para a grande maioria da população os trabalhadores que estão na ponta são bem mais úteis que os caciques de Brasília.
Se o atendimento que prestam muitas vezes não tem a qualidade desejada, não se pode deixar de levar em conta o déficit de pessoal e de recursos que são obrigados a enfrentar. Os hospitais públicos têm médicos de menos, as escolas têm professores de menos, os órgãos ambientais têm fiscais de menos... E por aí vai.
Diante da suspensão dos concursos, determinada a pretexto de reduzir gastos, os servidores que ficam têm que se desdobrar para fazer seu trabalho com cada vez menos recursos. Se não conseguem a eficiência desejada, são responsabilizados, enquanto os engravatados de Brasília, a maioria comissionados, ficam a salvo de críticas e ainda ajudam a malhar os concursados.
Praticante do ilusionismo retórico, Paulo Guedes reclama ainda que a média salarial do funcionalismo é muito mais alta que a da iniciativa privada. É verdade, mas isso acontece justamente por causa dos supersalários que ele defende e quer aumentar ainda mais.
Também inflam esses números a remuneração de militares, juízes, procuradores do Ministério Público e parlamentares — espécimes emplumados que estão fora da reforma.
Não há dúvida que é preciso fazer mudanças na administração pública, rever critérios de promoção automática, checar com cuidado onde a estabilidade é essencial ou não, corrigir distorções. Executivo e Legislativo erram feio, porém, ao optar por elaborar uma proposta contra os servidores, quando deveriam fazê-lo ao lado deles.
Talvez isso decorra da conhecida falta de aptidão do ministro da Economia para negociar o que quer que seja. Impaciência é uma anomalia para quem ocupa um cargo como o dele. Prova disso é a dificuldade de relacionamento com o Congresso.
Se resolvesse aplicar ao seu desempenho a meritocracia que defende para os servidores mais úteis do funcionalismo, Paulo Guedes estaria em maus lençóis. Mesmo antes da pandemia, a política econômica pilotada por ele já tinha levado o Brasil à recessão. Pelos critérios da iniciativa privada, com resultado tão desastroso o meritocrático Guedes certamente a essa hora estaria no olho da rua.
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