Topo

Chico Alves

Demonizados pela direita, comunistas se protegem e debatem lugar no séc. 21

Extrema-direita faz campanha anticomunista - Arte: Camila Pizzolotto
Extrema-direita faz campanha anticomunista Imagem: Arte: Camila Pizzolotto

Colunista do UOL

20/09/2020 04h02

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O perfil do comunista malvado e capaz de cometer as maiores atrocidades, divulgado nos últimos anos pela direita brasileira, não combina com a paulista Lorena Martins, 23 anos. De riso fácil e fala tranquila, a jovem se define como marxista-leninista — segue uma corrente do comunismo baseada na interpretação do russo Vladimir Lenin sobre as ideias do alemão Karl Marx.

Estudante e estagiária de direito, ela foi obrigada a redobrar os cuidados nos momentos de militância política. "Houve um avanço muito rápido do sentimento anticomunista, uma espécie de macarthismo", avalia Lorena, referindo-se à perseguição empreendida nos Estados Unidos, na década de 1950.

Na rotina, evita usar camisas com alusão à sua opção ideológica, o que só faz quando está em grupo. Mesmo assim, não escapou das ofensas. Em uma atividade de panfletagem foi chamada de "comunista vagabunda".

As agressões não são somente verbais. Estava com com os colegas de partido (ela é filiada ao PSOL) quando um dia viu homens derrubarem a banca onde estavam os folhetos com mensagens políticas.

Esse clima hostil foi criado por militantes da extrema-direita que, desde 2018, têm dedicado bastante tempo e espaço nas redes sociais para atacar o pensamento comunista. A campanha continua a todo vapor. Recentemente, parlamentares do PSL lançaram um vídeo intitulado "Comunismo mata" e há duas semanas o deputado Eduardo Bolsonaro voltou à carga com sua proposta de criminalização dessa corrente política.

Lorena Martins - Reprodução - Reprodução
Lorena Martins se identifica como marxista-leninista
Imagem: Reprodução
Cortina de fumaça

"Eduardo Bolsonaro faz disso bandeira para iludir incautos, para manter polarizado um pedaço da sociedade e ocultar a ausência de iniciativa para resolver os problemas reais do país", critica o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que é candidato a prefeito de São Paulo. "Ele não é opositor de um governo comunista, ele é filho do presidente Jair Bolsonaro, um líder político ausente, que não tem qualquer projeto para o Brasil".

Silva sabe que os adversários vão tentar atacá-lo na campanha municipal fazendo críticas à linha de seu partido, mas ele não se preocupa. "Ideologia não se traduz em políticas municipais", acredita o candidato do PCdoB. "Debato na minha campanha um plano emergencial para criação de emprego e renda para 2021".

Ele é testemunha privilegiada do processo de demonização do comunismo que ocorreu no Brasil. Foi ministro do Esporte de 2006 a 2011. Nesse período, teve contato com as principais lideranças empresariais, políticas e militares do país, sem que sua filiação partidária fosse empecilho — Aldo Rebelo, que também estava no PCdoB, foi, inclusive, ministro da Defesa, entre 2015 e 2016.

O comunista que Caetano popularizou

Em meio ao ataque cerrado aos comunistas, um raro momento destoante que viralizou foi a entrevista de Caetano Veloso a Pedro Bial, em que ele admitiu que está revendo o que pensava sobre o comunismo. "Eu sou menos liberalóide do que era há dois anos", disse Caetano.

Jones Manoel e Caetano Veloso - Reprodução de vídeo - Reprodução de vídeo
Jones Manoel e Caetano Veloso
Imagem: Reprodução de vídeo
O responsável por essa mudança, conforme o próprio artista aponta, é Jones Manoel, um jovem pernambucano, professor de História e militante do PCB. Foi ele quem apresentou a Caetano as obras do filósofo marxista italiano Domenico Losurdo, inspirador de sua nova visão sobre o tema.

"Tenho muitas camisas de Lenin, Che Guevara e Fidel que eu usava e deixei de usar como antes", diz o professor. "O grau de visibilidade pública cresceu e eu tive que tomar medidas de segurança. Evito pegar transporte em horários de pico, passei a usar mais aplicativos como Uber".

Jones acentuou protocolos de segurança pessoal que já usava antes. "Não que isso seja novidade. Sou de um partido marxista de orientação leninista e a gente é minoria na esquerda brasileira. E mesmo a esquerda é muito anticomunista".

O que mudou, segundo ele, foi a influência de Olavo de Carvalho na direita brasileira. "Conseguiu convencer uma parcela significativa da população que o PT é comunista, que Nicolás Maduro é comunista, que o PSB é comunista. Até o governo FHC o Olavo de Carvalho diz que foi comunista", comenta.

7.set.2015 - Em Florianópolis, milhares de pessoas, entre autoridades e público, assistem ao Desfile Cívico na passarela Nego Quirido, na Baía Sul, nesta segunda-feira (7). Pessoas exibem faixas e cartazes contra o comunismo e declarando amor ao Brasil - Guto Kuerten/Agência RBS/Estadão Conteúdo - Guto Kuerten/Agência RBS/Estadão Conteúdo
7.set.2015 - Em Florianópolis, plateia assiste ao Desfile Cívico e exibe faixas e cartazes contra o comunismo
Imagem: Guto Kuerten/Agência RBS/Estadão Conteúdo

Perseguição ao comunismo é histórica

Na opinião de Jones, a crise capitalista de 2008 e a ascensão da China, que desafia a hegemonia dos Estados Unidos, estão na raiz da nova campanha de ataques à ideologia comunista.

"A saída para mudar esse quadro é desconstruir o legado cultural da Guerra Fria e a narrativa acadêmica", sugere o professor. "Quem é comunista não deve ter medo de dizer que é comunista e debater abertamente as posições. Inclusive dizer à população trabalhadora evangélica que essa ideia de que todo marxista quer impor o ateísmo e proibir o cristianismo é falsa".

Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e apresentador do programa Café Bolchevique, no YouTube, Mauro Iasi é integrante do Comitê Central do PCB e concorda que a estigmatização dos comunistas é histórica. "Quem nos ataca sempre são as forças mais reacionárias e obscurantistas, como a República oligárquica, o getulismo, a ditadura militar e agora o bolsonarismo", sustenta.

Para ele, ao contrário dos que atacam seu campo ideológico, a barbárie está no capitalismo. "Não podemos aceitar que quase metade de todo nosso orçamento seja destinada ao serviço da dívida e para saciar o apetite de banqueiros enquanto se contingenciam verbas de educação, saúde, ciência e tecnologia, saneamento, moradia e outras áreas essenciais", critica Iasi.

O governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), durante entrevista exclusiva ao UOL e a Folha de S.Paulo - Kleyton Amorim/UOL - Kleyton Amorim/UOL
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), durante entrevista exclusiva ao UOL e a Folha de S.Paulo
Imagem: Kleyton Amorim/UOL
Aqui não é a China, e os comunistas sabem disso

Não há, então, nenhuma correção a fazer nas diretrizes do comunismo nos dias atuais?

O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), acha que sim. "Estamos no século 21, claro que um programa político não pode ser igual ao do século 19", acredita ele. "Tampouco o que vale na China ou outro país pode ser automaticamente feito no Brasil". O governador maranhense acredita que é preciso deixar claro que não há "modelos".

"É necessário quebrar preconceitos disparatados. Eu, por exemplo, sou católico, leio a Bíblia, rezo todas as noites e sou do PCdoB há 14 anos", destaca.

Apesar de todos os ataques, Flávio Dino não acha que o eleitor tenha rejeição a candidatos comunistas. "Ganhei duas eleições para governador do Maranhão, em primeiro turno, enfrentando fortes campanhas com esse tosco mote do comunismo. Acho que essa é a melhor resposta", comenta. Apesar disso, confirma que no ano que vem o PCdoB deverá debater a retirada da palavra "comunista" da legenda.

Pertencente ao mesmo partido do governador do Maranhão, a deputada federal fluminense Jandira Feghali defende que as experiências comunistas foram vividas em contexto muito próprio da história "Trouxeram avanço para a maioria da população e foram opressoras para uma minoria que oprimia antes", opina. "Botam nas costas dos comunistas da época até as mortes da Segunda Guerra". Nessa época, Joseph Stalin era o primeiro-ministro da União Soviética.

Jandira, porém, não defende a aplicação de modelos externos ao Brasil. "Eu tenho críticas à restrição de liberdades daquele tempo e nenhum modelo de então serve ao nosso país. Temos liberdade religiosa, de imprensa e cultural e não podemos ter retrocesso", diz a deputada. "É daqui para a frente".

A internet é o ambiente em que a parlamentar mais percebe os sinais da campanha anticomunista. "Recebo muitos ataques nas redes sociais, já fui ameaçada de morte, de estupro, tenho processo na PF, mas pessoalmente não. Na rua nunca houve qualquer hostilidade", relata.

Jandira, porém, acha que os que a atacam desconhecem o que é o comunismo. "A maioria dos críticos nem sabe do que está falando, não sabe o que significa. Pega de ouvido pelo que Bolsonaro diz. Nem essa rede bolsonarista sabe o que está falando", acredita.