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Chico Alves

Sobre racismo, esqueça Bolsonaro e Mourão. Ouça o que diz Emicida

Ilustração de Emicida, com bonecos de Bolsonaro e Mourão - Arte: Camila Pizzolotto
Ilustração de Emicida, com bonecos de Bolsonaro e Mourão Imagem: Arte: Camila Pizzolotto

Colunista do UOL

22/11/2020 13h55

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Foi um 20 de novembro doloroso. O Dia da Consciência Negra de 2020 amanheceu sob o signo da tragédia, com a multiplicação nas redes sociais das imagens do espancamento até à morte de João Alberto Silva Freitas, ocorrido na véspera, em um Carrefour da capital gaúcha. Continuou assim até o cair da noite, com a repercussão da fala delirante do vice-presidente Hamilton Mourão, convicto de que não existe racismo no Brasil.

Entre o amanhecer e o anoitecer, a sexta-feira, que deveria ser dedicada à discussão e às ações para superar o preconceito contra os negros, só fez confirmar a gigantesca dimensão do racismo brasileiro.

Teve de tudo um pouco.

Do cancelamento pela Arquidiocese do Rio da missa afro que há 16 anos era realizada na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, por ameaças de católicos tradicionalistas do Centro Dom Bosco, a promessas de agressão à primeira vereadora negra eleita na cidade de Joinville.

O espanto foi desde o protesto de 34 juízes pernambucanos contra um curso antirracista ministrado pela associação da categoria até a declaração lamentável da apresentadora Ana Maria Braga, que defendeu não ser necessário um Dia da Consciência Negra, mas sim um dia da consciência humana.

Toda essa sequência foi temperada pelas declarações de Mourão, e, posteriormente, de Jair Bolsonaro.

O vice-presidente invocou a experiência de ter morado nos Estados Unidos por um tempo para dizer que por lá existe preconceito e por essas terras, não. "Isso uma é coisa que querem importar aqui para o Brasil", disse, aparentando toda a certeza do mundo.

Bolsonaro fez crescer o disparate dito por Mourão e manteve a tese de que o preconceito não é coisa nossa. Ontem, em plena reunião do G-20, não criticou o racismo, mas quem se revolta contra ele. "Aqueles que instigam o povo à discórdia, fabricando e promovendo conflitos, atentam não somente contra a nação, mas contra nossa própria história. Quem prega isso está no lugar errado, seu lugar é no lixo".

Depois de um ano em que a pauta antirracista foi tão discutida, por causa do assassinato do americano George Floyd, a expectativa era ter um 20 de novembro ao menos com mais... consciência.

Pelo que se viu, esse objetivo não foi alcançado. Basta um passeio rápido pelo noticiário dos últimos dias para questionar se estamos no caminho certo.

Como interpretar esses fatos?

Como não se deixar abater?

Há vários teóricos excelentes para dar respostas a essas perguntas, mas temos uma voz popular, um artista que veio da periferia paulista, que pode ajudar muito: Emicida.

Em um bate-papo no excelente canal no YouTube do professor Silvio Almeida, provavelmente gravado antes da morte de João Alberto, o rapper dá o mapa da mina.

A começar pela frase que dá título ao vídeo: "O racismo vai morrer gritando", ensina Emicida.

"O racismo não vai ser convencido intelectualmente", completa ele.

Emicida acredita que aquilo que os racistas construíram está sobre bases frágeis. Então, diante dos avanços que os negros têm conquistado, só resta ao outro lado atacar desesperadamente com suas boçalidades.

"Precisamos olhar com naturalidade quando um imbecil sobe no palco de uma instituição como a Hebraica e diz que um quilombola não serve nem para reproduzir. Precisamos entender isso como histeria racista, porque ele está vendo uma transformação", diz o rapper.

Sob o olhar de Almeida, Emicida lança um argumento irrefutável para sustentar sua tese. "Ninguém vai convencer esses milhões de homens e mulheres não-brancos de que o lugar deles é na senzala. Nunca mais. Seja a senzala qual for. Não se negocia com o tempo. A história só é vivida para a frente".

Para os racistas, essa verdade cartesiana deve ser enlouquecedora.

Na tentativa de manter tudo como está, figuras como os católicos tradicionalistas do Centro Dom Bosco ou os juízes pernambucanos que resistem ao curso de antirracismo vão continuar gritando suas ideias preconceituosas, assim como Mourão e Bolsonaro.

Porém, se a tese estiver correta, as vozes que ouviremos daqui para a frente não serão as deles, mas cada vez mais as de pessoas como Silvio Almeida e Emicida.