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Chico Alves

Os sete dias que abalaram o domínio bolsonarista nas redes sociais

Colunista do UOL

24/01/2021 04h04

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Desde o início da campanha eleitoral, Jair Bolsonaro contou com uma tropa numerosa a seu lado para chegar à Presidência da República. Tão barulhentos quanto agressivos, os militantes bolsonaristas das redes sociais mudaram a forma de fazer política no Brasil. Xingamentos, intrigas e fake news recheiam as postagens com que tais personagens alimentam a polarização nacional desde 2018.

Na última semana, porém, esse domínio sofreu seu maior abalo. Medições em várias plataformas mostram que as críticas a Bolsonaro ganharam enorme destaque. A defesa do presidente e os temas que lhe são importantes tiveram engajamento muito abaixo da média.

O resultado é consequência de uma conjunção de fatos extremamente negativos para o governo, avaliam os especialistas. A situação dramática de Manaus, onde pacientes de covid-19 morreram por falta de oxigênio; a aprovação da CoronaVac, antes criticada pelo presidente; a confirmação pela Anvisa de que medicamentos como cloroquina e ivermectina não têm eficácia no tratamento do coronavírus, ao contrário do que propagou Bolsonaro, e, por fim, a rapidez com que o governo de São Paulo aplicou a primeira dose da vacina.

No acompanhamento que fez no Twitter no domingo, 17, o analista Pedro Barciela constatou que nos comentários sobre a vacina somente 5,8% defendiam Bolsonaro, com apenas 7,8% das interações. Já as críticas ao presidente mobilizaram 90,9% dos usuários, com 90,4% das interações.

"O principal problema de Bolsonaro é que não tem nenhuma argumentação alternativa para lidar com o tema da vacina", afirma Barciela. "Desde 2018, os bolsonaristas dominam o debate político nas redes e agora estão batendo cabeça como não tinha visto nesses anos".

Durante meses, tanto o presidente quanto seus apoiadores nas redes sociais tentaram desacreditar a vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan e a empresa chinesa Sinovac. No Twitter e Facebook, ativistas muitas vezes trataram o imunizante pelo apelido xenófobo de "vachina". Houve campanhas de fake news que chegaram a propagar que a vacina do Butantan implantaria chips no organismo dos brasileiros.

Às custas de uma tragédia, Manaus gera ansiedade

Com o avanço da pandemia e as campanhas de vacinação dos outros países, porém, a pressão pela imunização no Brasil cresceu. O caos instalado em Manaus, onde a falta de oxigênio nos hospitais levou muitos doentes à morte, fez com que as críticas nas redes explodissem na sexta-feira 15 e aumentou a preocupação com a falta de vacina.

O golpe de misericórdia na narrativa negacionista veio depois que a Anvisa aprovou os dois imunizantes produzidos no Brasil e o governador de São Paulo, João Doria, agiu rápido para vacinar a primeira brasileira à frente das câmeras.

Levantamento de Barciela feito no Facebook mostra que foram postados 50 mil comentários sobre vacina: 87,47% positivos. "Esse é um índice bom até mesmo para momentos anteriores à campanha dos negacionistas", diz o analista. "Era gente se mostrando muito feliz com o início da imunização, alguns agradecendo a Deus".

Bolsonarismo se dedicou a negar vacina e promover cloroquina

O pesquisador de redes sociais Fabio Malini, da Universidade Federal do Espírito Santo, constatou que desde o dia 25 de dezembro até meados de janeiro, a rede bolsonarista dobrou de tamanho para defender a falsa cura prescrita no tratamento precoce, perfazendo 41.734 perfis no Twitter. Porém, a frente antibolsonarista criticando esse conceito falso cersceu muito mais. Saiu de 5 mil perfis para agregar 127.691 participantes, principalmente após o dia 15 de janeiro.

"Não é somente um arranhão, é um golpe forte numa estrutura de rede que ficou muito presa à narrativa negacionista da doença", analisa Malini. "Essa transição do negacionismo para a defesa da vacina não vai ser rápida, se é que vai ser feita".

Para o pesquisador, o presidente e seus estrategistas apostaram em oferecer o tratamento precoce, mas com a aprovação da vacina, os contínuos equívocos do Ministério da Saúde e o aumento de casos, isso deverá cair por terra.

"Teremos um ambiente de crise sanitária sem perspectiva de vacinação em massa e os estrategistas digitais do governo não têm uma versão para dar quanto a esses fatos", diz ele.

Falta de resposta do governo traz impeachment à tona

Certamente por isso, as citações sobre impeachment de Bolsonaro bateram recorde no dia 15, chegando a cerca de 120 mil menções no Twitter. Esse movimento desacelerou nos dias seguintes, mas se manteve bem acima do que se verificava antes.

No YouTube, a tropa bolsonarista também está desorientada. Os primeiros sinais foram registrados em novembro, com a eleição de Joe Biden à Presidência dos Estados Unidos. "Enquanto Bolsonaro esticou até dezembro a argumentação de que houve fraude na eleição americana, os apoiadores abandonaram essa narrativa ainda em novembro", diz Guilherme Felitti, sócio da Novelo Data, empresa de análise de dados.

De lá para cá, alguns canais da plataforma que estavam sempre ao lado do governo deixaram de fazer menção ao presidente.

"No ápice do nosso monitoramento, em agosto e setembro do ano passado, quando o governo surfava na popularidade do auxílio emergencial, havia 60 vídeos por dia que citavam Bolsonaro", contabiliza Felitti. "Agora, caiu para 40 vídeos diários".

Enquanto isso, no WhatsApp...

Como costuma ocorrer, a única plataforma digital em que o bolsonarismo mantém grupos que não fazem autocrítica é o WhatsApp, que por sua natureza não tem espaço para opiniões divergentes.

"Nos grupos governistas de WhatsApp dizem que a culpa pelo que aconteceu em Manaus não é de Bolsonaro, porque ele repassou os fundos", relata David Nemer, professor do Departamento de Estudos de Mídia na Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos.

As derrotas sofridas nos últimos dias no Twitter e Facebook, no entanto, são bastante significativas, já que esses espaços são usados para pautar os debates sob o ponto de vista que interessa ao governo. Isso não tem acontecido.

Como consequência, a mobilização pelo impeachment de Bolsonaro acelerou, observa o professor Fabio Malini. "As publicações sobre o tema chegaram a 2 milhões na última semana, no Twitter", contabiliza ele. "São 292 mil perfis pedindo o impedimento do presidente, contra 36 mil que o defendem".

Como se viu, essa discussão nas redes foi o prenúncio do que está acontecendo neste fim de semana, nas ruas de várias cidades do Brasil.