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"A ditadura militar foi um celeiro de corrupção", afirma pesquisador
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Trinta e seis anos após o fim da ditadura militar, muitos brasileiros ainda mantêm a convicção de que os governos do período de exceção praticavam menos atos de corrupção que os posteriores. O professor de História Pedro Henrique Pedreira de Campos, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, pesquisa justamente as maracutaias praticadas pelos integrantes das Forças Armadas no período autoritário e discorda radicalmente. "A ditadura militar foi um celeiro de corrupção", garantiu o historiador à coluna.
Campos é autor do livro "Estranhas Catedrais" (Eduff), lançado em 2014, e ganhador do Prêmio Jabuti. A obra trata do assunto. Nesses seis anos a pesquisa continuou e o historiador agora se debruça sobre os malfeitos da parceria entre empreiteiras e militares brasileiros no exterior.
O professor atribui ao cerceamento de informações e à limitação do funcionamento dos órgãos de fiscalização na ditadura o fato de escândalos de corrupção não terem chegado ao conhecimento da população.
"A gente não tinha esses mecanismos funcionando de forma ampla durante aquele período", diz Campos. "Menos denúncias de corrupção apareciam na mídia, em ambientes públicos, no Parlamento".
Para o pesquisador, no entanto, o atual protagonismo dos militares no Poder Executivo vai arranhar essa noção de que são incorruptíveis.
"A impressão é de que a imagem pública que temos acerca das Forças Armadas pode mudar significativamente durante o governo Bolsonaro", acredita.
UOL - Quais as novidades na sua pesquisa sobre práticas de corrupção das empreiteiras no período da ditadura militar?
Pedro Henrique Pedreira de Campos - Na minha tese pesquisei as empreiteiras durante a ditadura, a ideia era descobrir por que elas se tornaram tão poderosas econômica e politicamente. Eu achei que pesquisando o período da ditadura poderia ter uma resposta a essa pergunta, tendo em vista todo o imaginário criado em torno das obras feitas naquele período. Grandes projetos, Transamazônica, Angra, Itaipu, etc.
De certa forma a ditadura realmente foi decisiva para alavancar o poder dessas empresas. Uma coisa que não consegui dar conta na tese foi justamente a atuação internacional desses grupos econômicos.
É o que estou pesquisando agora.
O que identificou de relevante?
Encontrei alguns casos impressionantes de corrupção em atuação internacional. Um deles foi o do diplomata José Jobim.
O diplomata José Jobim era funcionário do Ministério das Relações Exteriores de carreira. Passou por vários postos internacionais, Vaticano, inclusive. Ele trabalhou muito tempo no Paraguai, reuniu uma série de informações quando esteve em Assunção, chegou a montar um dossiê sobre corrupção na obra de Itaipu, envolvendo equipamentos elétricos, turbinas e tudo o mais pela Siemens, a multinacional alemã, que forneceu todo a infraestrutura da usina, que é a maior obra da ditadura, a Hidrelétrica de Itaipu.
Na cerimônia de posse do presidente João Figueiredo, ele comentou com alguns interlocutores que tinha esse dossiê. Uma semana depois, apareceu assassinado na Barra da Tijuca, em uma simulação de suicídio por enforcamento. Mas tinha marcas de tortura, lesões corporais.
A filha dele conseguiu mudar recentemente o atestado de óbito, em que passou a constar assassinato pelo Estado brasileiro. Além disso, a documentação que ele tinha em casa a respeito da corrupção em Itaipu sumiu. Foi extraviada, após seguidas visitas de agentes da repressão e do governo que foram à casa dele.
Algum outro caso importante?
Um episódio impressionante é o do jornalista Alexandre Von Baumgarten, que estava escrevendo o livro "Yellow Cake", sobre o fornecimento de material radiativo, de urânio enriquecido para o Iraque fazer sua bomba atômica.
Em uma operação do Serviço Nacional de Informações ele foi assassinado. O corpo foi encontrado na Baía de Guanabara com três tiros. São casos bem representativos de como a ditadura perseguia aqueles que queriam fazer denúncias de corrupção e práticas irregulares.
Sua pesquisa tem constatações que vão na contramão da ideia de que não houve corrupção na ditadura militar?
O que a gente tem é que a ditadura militar foi um celeiro de corrupção, um ambiente extremamente propício de escalada dos interesses empresariais e privados sobre o Estado brasileiro, tendo em vista o cerceamento dos mecanismos de fiscalização e o aparelhamento do Estado por agentes do setor empresarial privado.
Os militares se locupletaram nesse processo (veja alguns casos). Eles se favoreceram muito na atuação empresarial naqueles anos. Era uma ditadura empresarial-militar e eles ganharam postos nas empresas e há várias denúncias de que eles recebiam propinas. Há casos emblemáticos.
Golbery (general Golbery do Couto e Silva, ministro do Gabinete Civil dos governos Geisel e Figueiredo) foi trabalhar como presidente da Dow Chemical do Brasil, o Andreazza (Mário Andreazza, ministro dos Transportes nos governos Costa e Silva e Geisel) era muito próximo de empreiteiras, houve denúncias de que ganhou comissões, dentre outras denúncias diversas envolvendo militares.
Foram vários militares empregados em empresas nacionais e internacionais e eles se beneficiaram muito com isso. São acusados de práticas irregulares até os dias atuais.
A gente vê as licitações recentes das Forças Armadas para compra de produtos básicos, que parecem claramente superfaturados, além, obviamente, de todo um conjunto de indícios de envolvimento em tráfico internacional de drogas e armas, que conta com muitas denúncias, citadas por agentes diversos.
Ao que atribui essa ideia generalizada de que durante a ditadura não houve corrupção?
Acho que o principal fator que explica isso é o cerceamento aos mecanismos de fiscalização e controle da sociedade. Em um regime democrático, o poder não está concentrado, mas distribuído entre as diversas forças sociais, políticas e institucionais. De modo que existe um controle de parte a parte, o sistema de freios e contrapesos, como diz o jargão.
Se o Executivo faz alguma coisa irregular, temos o Legislativo para controlar. Temos a imprensa, Judiciário, Ministério Público. A gente não tinha esses mecanismos funcionando de forma ampla durante aquele período. Menos denúncias de corrupção apareciam na mídia, apareciam em ambientes públicos, no Parlamento.
Com o advento do regime constitucional na década de 80, as entranhas desse Estado totalmente corrompido pelas empresas e interesses privados veio à tona com a abertura do espaço para investigação, controle e fiscalização por parte da sociedade.
É a falsa impressão de que com mais exposição, com mais denúncias, temos um governo mais corrupto. A gente não tinha a possibilidade de controlar, coibir e fiscalizar no período anterior. Temos por isso essa falsa impressão de que em um regime democrático temos mais corrupção que numa ditadura. É justamente o contrário. Temos mais luz, mais holofote e mais investigações acontecendo.
Acredita que um governo atual, com tanto protagonismo dos militares, vai levar a desgaste dessa imagem das Forças Armadas?
Sim. A gente tem uma série de denúncias no governo Bolsonaro a respeito de envolvidos em práticas irregulares. Justamente pelo fato de eles estarem à mostra, pelo fato de eles estarem buscando o poder e se expondo aos holofotes, isso faz com que fiquem passíveis de serem mais criticados, controlados, questionados e investigados como estamos verificando nesse momento.
Então, a impressão é de que a imagem pública que temos acerca das Forças Armadas pode mudar significativamente durante o governo Bolsonaro. Ao final da ditadura eles tentaram se alijar um pouco da exposição mais intensa no ambiente público. Usando dessas mitografias sobre a ditadura acabaram se beneficiando e acabaram sendo uma das instituições mais bem-vistas pela sociedade.
O que era obviamente falso, o que não havia era informação e acesso por parte da população, porque quem conhecer mesmo as Forças Armadas vai ver que a situação ali é bem complexa.
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