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O Brasil precisa decidir se leva Bolsonaro a sério ou não
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É como se o Palácio do Planalto fosse ocupado por aquele tio que sempre bebe além da conta nos encontros de família e solta piadas inconvenientes em alto e bom som. A cada declaração constrangedora de Jair Bolsonaro, aparece alguém para botar panos quentes: "Não liga não, ele fala essas coisas mas não é pra levar a sério ".
Por muito tempo, o vice Hamilton Mourão e outros generais que estão no governo repetiram variações dessa frase, depois de cada barbaridade dita pelo presidente da República. Tantas vezes argumentaram assim que o imaginário nacional parece ter assimilado a ideia de que o presidente é alguém inimputável. Bolsonaro diz os maiores absurdos e as consequências não vão além de memes nas redes sociais.
O problema é que essa versão presidencial do tio alcoólatra é ao mesmo tempo o personagem que tem nas mãos a responsabilidade de dirigir o país.
A tarefa já seria complexa o bastante em tempos normais. Em meio à maior crise sanitária da humanidade, então, torna-se dramática. Para evitar mortes, garantir o bem-estar dos brasileiros, fazer a economia prosperar e preservar o meio ambiente é desejável que o posto político mais importante da nação seja ocupado por alguém equilibrado, responsável, sensato.
A live que Bolsonaro protagonizou ontem provou que o presidente está muito distante desse perfil.
Começou avisando que vai vetar a criação do passaporte que identifica os vacinados contra a covid-19, documento proposto pela Câmara dos Deputados. A providência adotada em vários países visa, como se sabe, estimular a imunização. Há muito tempo, o presidente faz de tudo para desacreditar as vacinas.
Em seguida, voltou a criticar o uso de máscaras, atacou o governador João Doria pelas multas aplicadas a motoristas que não estiverem com o acessório e divulgou mais uma informação falsa. Disse que usar máscara dentro do carro leva a oxigenação menor. Não é verdade.
Arrematou seus pitacos delirantes sobre saúde com mais uma mentira: asseverou que pode se considerar vacinado porque já teve covid-19. Como sabe qualquer pessoa equilibrada, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Quem contraiu a doença pode, sim, se reinfectar. Não há qualquer base científica nessa afirmação.
Chegamos, então, ao impasse. Um presidente que em plena pandemia desestimula a vacinação, o uso de máscaras e divulga informações que podem levar pessoas a correr maior isco de infecção e morte pelo coronavírus está incorrendo em crime ou não?
A julgar pela falta de consequências de suas falas na live, as balelas de Bolsonaro foram mais uma vez catalogadas como devaneios do tiozão inconveniente. O silêncio das instituições parece comunicar aquela mesma mensagem de sempre: "Deixa pra lá, ele é assim mesmo".
Se é assim, como pode o tiozão gerir um país gigantesco em plena pandemia?
A live teve também os costumeiros ataques de Bolsonaro à urna eletrônica e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso. Mais uma vez, divulgou a tese de que o sistema atual permite fraudes sem apresentar uma prova sequer.
Foi além. Bolsonaro disse que se não houver voto impresso em 2022, os perdedores da eleição podem não aceitar o resultado e isso acarretar uma "convulsão social".
Mais uma vez, aparece a questão: pode o presidente da República fazer acusações de fraude contra o sistema eleitoral de seu país sem apresentar qualquer migalha de prova? Isso não é crime?
Da mesma forma, é permitido ao ocupante do Palácio do Planalto incitar um clima de golpe antes da eleição, que poderá usar a seu favor em caso de derrota nas urnas?
Não se vê qualquer providência das instituições. Nem mesmo da sociedade civil. Pela enésima vez, as palavras de Bolsonaro são encaradas com a mesma desimportância das piadas do parente bêbado.
Talvez seja hora de o país decidir essa pendenga de uma vez por todas. Ou Bolsonaro é um falastrão cuja irresponsabilidade deve ser ignorada ou ele é uma pessoa responsável por suas palavras e atos, como costumam ser os chefes de Estado.
As duas condições são inconciliáveis.
É como se o tio bebum fosse também a pessoa incumbida de dirigir a van que vai levar os familiares para suas casas no fim da festa. Como se vê pela situação do Brasil, isso não pode dar em boa coisa.
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