Topo

Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mendonça no STF, um marco na esculhambação institucional do Brasil

 André Luiz Mendonça, advogado-geral da União - Edu Andrade/Fatopress/Estadão Conteúdo
André Luiz Mendonça, advogado-geral da União Imagem: Edu Andrade/Fatopress/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

14/07/2021 09h35

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A bagunça institucional que Jair Bolsonaro instaurou no Brasil está prestes a alcançar um patamar ainda mais grave. Depois de embaralhar as funções de ministérios como os do Meio Ambiente, Saúde, Cidadania, entre outros, politizar as Forças Armadas e aparelhar a Receita Federal, a Polícia Federal e vários órgãos de controle, o presidente da República pretende erodir o funcionamento do principal tribunal do país, o Supremo Tribunal Federal (STF).

Bolsonaro faz isso por meio da indicação do atual advogado-geral da União, André Mendonça, à vaga aberta com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello. Antes de avaliar as qualidades de Mendonça para a função, o grande problema está no motivo da indicação: o presidente o escolheu por ser "terrivelmente evangélico".

Caso Mendonça seja confirmado, estará cristalizada uma aberração. A mais importante instância de defesa da Constituição brasileira receberá em seu quadro alguém cujo ingresso se deve à fé religiosa que escolheu, não ao saber jurídico acumulado.

Obviamente, o problema não está, como querem fazer acreditar algumas lideranças evangélicas, no fato de Mendonça se dedicar a essa ou aquela religião - a fé de cada um é assunto de foro íntimo - mas na constatação de que a sua crença foi o motivo determinante para a indicação.

Esse gesto presidencial tem a intensidade de um abalo sísmico para o pressuposto de que o Brasil é um Estado laico.

Por sua vez, Mendonça faz o possível para se enquadrar no figurino anunciado por Bolsonaro. Pastor presbiteriano, participou de sessões no STF de Bíblia em punho e trocou artigos constitucionais por versículos. Há poucos dias, prometeu ao presidente que, se a indicação for confirmada, iniciará a participação nos julgamentos rezando o Pai Nosso ao menos uma vez por mês.

A princípio, os sinais emitidos pelos ministros do Supremo e por integrantes do Senado — que terão a tarefa de referendar ou não o nome — foram de reprovação. Deixaram impressão de que pela primeira vez em mais de cem anos uma indicação àquela corte seria rejeitada.

Nos últimos dias, porém, as resistências a Mendonça parecem estar diminuindo.

As instituições brasileiras não estão preparadas para reagir a um presidente que, como Bolsonaro, tem tanta disposição para insistir em propostas bizarras. De tanto serem repetidas, muitas de suas ideias malucas passam a ser assimiladas, o absurdo vira assunto trivial.

A indicação de Mendonça já seria algo preocupante pelas práticas autoritárias que usou em sua passagem pelo Ministério da Justiça. Nesse período, a pasta produziu um dossiê contra cidadãos que têm atuação antifascista, como se isso fosse um crime. Ele próprio invocou por várias vezes a famigerada Lei de Segurança Nacional para acusar políticos e jornalistas que fizeram críticas ao presidente.

Não é difícil imaginar os danos que tal grau de sabujice pode causar ao funcionamento do Supremo.

À parte essa tendência tirânica, a utilização de parâmetro religioso para determinar escolha que deveria ser exclusivamente jurídica, ou no máximo política, é um marco lamentável.

Espera-se que os senadores barrem tal anomalia. Mas se acaso aprovarem para o Supremo esse nome indicado em função do credo, que não esqueçamos a colaboração decisiva que deram para a esculhambação do Brasil.