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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sergio Moro quebra a palavra para lançar candidatura a super-herói

Sergio Moro - Reprodução de vídeo
Sergio Moro Imagem: Reprodução de vídeo

Colunista do UOL

10/11/2021 15h21

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Batman, Mulher-Maravilha, Super-Homem e outros integrantes da Liga da Justiça devem estar preocupados. Ganharam hoje um novo concorrente ao posto de super-herói. É o ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro da Justiça Sergio, o Moro - assim, com vírgula e artigo entre nome e sobrenome, ele foi apresentado no vídeo que antecedeu sua fala na cerimônia de filiação ao Podemos, em Curitiba.

Esperava-se que se anunciasse como postulante à Presidência da República, mas pelo discurso feito, totalmente personalista, sem detalhes de como vai atingir objetivos traçados e muitas vezes baseado na luta do bem contra o mal, Moro aparentemente procura uma vaga na Marvel.

Logo no início da fala, assegurou à plateia: "Sou alguém em quem vocês podem confiar". Há muitos motivos para discordar disso. Um dos mais evidentes é a entrevista que Moro concedeu em novembro de 2016 aos repórteres Fausto Macedo e Ricardo Brandt, quando prometeu que "jamais entraria para a política". Mesmo que a frase tenha sido estampada na primeira página do jornal O Estado de S. Paulo em letras grandes, o ex-juiz parece ter esquecido o que disse.

No momento em que pediu confiança para entrar na política, Moro estava automaticamente provando que não se pode confiar no que fala.

Como era de se esperar, o discurso do possível candidato foi calcado no combate à corrupção e no trabalho à frente da Lava Jato. "Me dediquei a fazer justiça aplicando a lei, meu propósito sempre foi ser justo com todos", disse em um momento, sob aplausos do auditório. "Fiz justiça na forma da lei", observou mais à frente.

Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal (STF) não acha o mesmo. Tanto que por sete votos a quatro considerou Moro parcial por cercear a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do Guarujá. Haverá deslize maior para um juiz?

Isso para não falar nas dezenas de diálogos expostos na série Vaza Jato, publicados pelo The Intercept, que revelaram a parceria absurda entre o então magistrado e os promotores do Ministério Público. Como foram obtidas por meios ilegais, as mensagens não podem servir de prova em juízo. Mas prestaram o serviço de revelar os métodos peculiares com que Moro buscava "ser justo com todos".

O tom de super-herói apareceu várias vezes, apesar da voz oscilante. "Nunca recuei de nenhum desafio", afirmou. Lembrou que julgou processos de grandes traficantes de drogas, de ladrões de banco e de pessoas que pagaram ou receberam suborno. "Tudo para proteger as pessoas, as vítimas e o povo brasileiro", arrematou, como um Clark Kent de Maringá.

Esse mesmo trabalho é o que desempenham diariamente milhares de juízes em todos os cantos do Brasil, sem denotar qualquer heroísmo, mas apenas o cumprimento do dever de um servidor público.

Nosso paladino voltou a citar as cifras recuperadas na Lava Jato e classificou a operação de "momento histórico", em que "pela primeira vez, poderosos pagaram por seus crimes". Tentou alfinetar o presidente Lula, ao dizer que "nunca na história desse país" a corrupção atingiu níveis tão graves quanto nos governos petistas.

Ainda em tom grandiloquente, o discurso abordou o período em que o ex-magistrado esteve no governo Bolsonaro. "Ninguém, ninguém combateu o crime organizado de forma mais vigorosa que o Ministério da Justiça durante a minha gestão", disse.

Moro partiu então para explicar o que pretende fazer se chegar à Presidência, citando vários problemas sem detalhar as soluções. "Todos sabem o que é preciso ser feito", garantiu. Mas adiantou que vai formular um programa "com a ajuda de todos os brasileiros e brasileiras".

Citou objetivos vagos como combater a corrupção, diminuir a desigualdade, manter a responsabilidade fiscal, fomentar emprego e desenvolvimento sustentável, tratar da educação, aumentar a segurança e erradicar a pobreza. Para falar deste último item, o ex-juiz não apresentou uma fórmula sequer, mas já adiantou uma providência típica do pensamento lavajatista: quer criar uma força-tarefa para tratar do assunto.

Nosso herói recitou metas etéreas como "resgatar a ideia de que somos todos irmãos", tratar a todos "com caridade e sem malícia", "proteger as famílias brasileiras" e "incentivar a virtude e não o vício". Sempre sob aplausos.

Voltou a defender fim do foro privilegiado, a prisão em segunda instância e outros temas surrados de seu repertório. Em nenhum momento Moro tratou da prática política, não explicou como vai costurar um consenso em torno de seu nome, não mostrou como vai exercer o diálogo com os partidos.

Para alguém que é novato no ramo, poderia muito bem ter evitado chavões como dizer que nunca teve a ambição de ser candidato, mas se for preciso estará "à disposição do Brasil". "Não fugirei dessa luta", anunciou, ao velho estilo dos líderes demagógicos.

Mesmo sem as capas ou roupas extravagantes da turma da Liga da Justiça, Moro estufou o peito quase ao fim do discurso para passar a ideia de coragem. "Se necessário eu lutaria sozinho pelo Brasil, seria Davi contra Golias", asseverou. "Mas ao ver esse auditório eu tenho a certeza de que não estou sozinho".

Além do público da plateia, Moro poderá contar na campanha com a simpatia das Forças Armadas, o apoio de uma fatia do empresariado que enxerga nele a personificação da terceira via e o beneplácito de jornalistas que o idolatram desde a Lava Jato, quando abriram mão do espírito crítico para colocá-lo num pedestal.

Ao encerrar a explanação, o ex-juiz traiu a fixação que tem em relação ao réu mais importante que teve sob julgamento. O slogan de sua campanha é uma cópia da frase usada por Lula, na mobilização contra as arbitrariedades da Lava Jato, "Um Brasil justo para todos".

Para o mais novo candidato a herói da política brasileira, começar a caminhada com um plágio não cai nada bem.