Topo

Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Excludente de ilicitude já existe na prática para policiais do RJ e SP

06.05.2021 - Policiais carregam baleado durante operação contra o tráfico na comunidade do Jacarezinho, no Rio, deixa dezenas de mortos - REUTERS / Ricardo Moraes
06.05.2021 - Policiais carregam baleado durante operação contra o tráfico na comunidade do Jacarezinho, no Rio, deixa dezenas de mortos Imagem: REUTERS / Ricardo Moraes

Colunista do UOL

12/11/2021 11h28

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Jair Bolsonaro e o então ministro da Justiça Sergio Moro tentaram em 2019 aprovar no Congresso uma lei que instituísse o excludente de ilicitude, dispositivo que isenta de punição agentes públicos que matarem alguém em confronto. Não conseguiram o objetivo, mas a ideia de vez em quando volta à baila. Obviamente, a proposta é rejeitada pelos defensores dos direitos humanos, pois representa dar a policiais e militares das Forças Armadas carta branca para matar.

Pelo que se constata na reportagem dos jornalistas Leonardo Martins e Lola Ferreira, do UOL, porém, mesmo sem previsão legal o excludente de ilicitude já existe na prática para os policiais do Rio e de São Paulo.

A matéria cita estudo inédito do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, baseado em dados de 2016, em que os Ministérios Públicos dos dois estados pediram naquele ano o arquivamento de nove em cada dez casos de mortes provocadas por policiais.

Ou seja: 90% dessas ocorrências sequer chegaram a ser apreciadas pelo Judiciário.

Mesmo que os métodos das polícias carioca e paulista fossem os da Suíça, esse percentual já seria absurdo. Sabendo da forma truculenta que os agentes atuam por aqui, especialmente nas comunidades pobres, o resultado se torna escandaloso.

Para se ter uma ideia da tragédia que isso representa, no ano de 2020, mesmo com a pandemia obrigando a maior parte da população a ficar em casa, a polícia do Rio matou 1.239 pessoas. Em São Paulo, foram 814 vítimas. A título de ilustração, se os índices de 2016 se repetirem na apreciação desses homicídios ocorridos no ano passado, nada menos que 1.850 mortes causadas por policiais ficarão sem julgamento. Consequentemente, sem punição.

Os especialistas ouvidos pelos jornalistas do UOL culpam a omissão das promotorias e a falta de investigações policiais de qualidade pelo resultado. Dizem que a impunidade gera um ciclo vicioso, em que os agentes se sentem livres para causar mais mortes.

A pesquisa mostra que a banalização da truculência policial acabou por contaminar até mesmo os órgãos criados para defender a sociedade das ações violentas do Estado, como é o caso do MP. Essa é a constatação mais nefasta.

A falta de políticas públicas eficientes para a área faz com que boa parte da população acredite que justiceiros são a solução para a segurança pública. Pensam assim especialmente os integrantes de classe média que moram longe das favelas e para quem a pobreza é sinônimo de crime.

É assim que essa engrenagem trágica se retroalimenta. Enquanto os moradores das comunidades choram seus mortos, inocentes ou não, uma parte privilegiada da sociedade bate palmas para as ações truculentas da polícia e para a ineficiência conivente do MP.

E o cotidiano segue, como se as instituições realmente estivessem funcionando.