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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

No centenário de Brizola, a lembrança do sonho que ele não realizou

Brizola após saber que não foi para o segundo turno, em 1989 - Ricardo Beliel
Brizola após saber que não foi para o segundo turno, em 1989 Imagem: Ricardo Beliel

Colunista do UOL

22/01/2022 13h16

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Como teria sido o Brasil se Leonel Brizola tivesse chegado à Presidência? Difícil arriscar palpite sobre o futuro que não houve. Mas uma coisa é certa: Brizola, que hoje completaria 100 anos, certamente iria sacudir as estruturas do país.

A fixação por tornar a Educação de qualidade algo acessível aos mais pobres, a luta pelos Direitos Humanos — que impediu a polícia de invadir barracos de gente pobre no Rio quando ele foi governador —, a defesa da indústria nacional, essas e outras bandeiras mudariam radicalmente a vida dos brasileiros.

Qual seria, por outro lado, a reação de parte da elite econômica, que nos últimos anos expôs a todos o quanto pode ser selvagem, apoiando projeto de poder tão tosco e autoritário quanto o de Jair Bolsonaro?

Nunca saberemos.

Naquela que seria a última tentativa de se tornar presidente, Brizola foi tirado do segundo turno da eleição de 1989 por Lula.

O clima no Rio, que tinha uma entusiasmada torcida pelo político gaúcho, era de fé na vitória. Muitos brizolistas se deixaram levar por essa esperança. Até mesmo o próprio Brizola.

Talvez por isso a notícia de que estava fora do segundo turno tenha representado para ele decepção tão grande. Com a derrota, chegava ao fim o sonho do político que foi governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro (por duas vezes), deputado federal pelos dois estados e protagonista de episódios tão relevantes quanto a Cadeia da Legalidade, que em 1961 garantiu a posse do presidente João Goulart. Tentou mais uma vez na eleição seguinte, quando seu prestígio estava em declínio, e, como era esperado, não conseguiu também.

A imagem da frustração de 1989, quando ele esteve próximo de seu objetivo, foi captada pelo fotógrafo Ricardo Beliel, profissional de talento reconhecido internacionalmente. A foto de Brizola contemplando os apoiadores da janela de seu apartamento, com expressão desolada, tornou-se histórica.

Beliel seguiu sua brilhante carreira com vários trabalhos importantes — acaba de lançar o excelente livro "Memórias Sangradas", com as trajetórias de 43 personagens que vivenciaram o cangaço —, mas volta e meia é lembrado por ter cristalizado aquele momento tão significativo.

A história por trás da foto que ilustra a coluna, o próprio Beliel conta a seguir:

"Durante a campanha eleitoral para eleger o presidente da República em 1989 acompanhei diversas vezes e por vários meses os candidatos Lula, Collor e Brizola bem de perto, viajando por quase todo o país cobrindo comícios, entrevistas, passeatas e tudo mais que aparecesse. Na data do primeiro turno fiquei no Rio para votar e assim que pude segui para o endereço residencial do Brizola, o único candidato que morava na mesma cidade que eu.

Na Avenida Atlântica seus eleitores comemoravam o que achavam ser uma barbada, sua eleição ainda no primeiro turno. Eu estava no apartamento do Brizola quando o vi sair do quarto, onde acompanhava a apuração pelo rádio, e repentinamente ele apareceu na sala. Caminhou abatido até à janela, sem falar com ninguém, debruçou-se no parapeito e emocionado ficou observando a multidão gritando "Brizola Presidente do Brasil". Virou o rosto para mim e percebi seus olhos cheios de lágrimas. Voltou para o quarto e não apareceu mais. Lula foi o eleito para o segundo turno e perdeu para Collor, que naquele momento tinha o apoio da maioria das empresas de comunicação.

Sabem como entrei no apê do Briza? Eu, que trabalhava na revista Manchete, estava no calçadão com os outros jornalistas e vejo o Adolpho Bloch entrando pela porta lateral do prédio. Sabendo que seria minha única oportunidade de furar o bloqueio, fui lá e falei pra ele: "vai perder esse furo?". Ele olhou pra mim, me pegou pelo braço e disse para o segurança do PDT: "sem ele eu não entro". A editora Bloch tinha apoiado o Brizola durante a campanha e o segurança, que antes havia feito cara feia pra mim, abriu a guarda e entrei com meu patrão pela porta dos fundos.

Entretanto, a Manchete não publicou essa foto porque o Adolpho também ficou emocionado com a cena e acho que disse para o Mugiatti, editor da revista, não maltratar o gaúcho com essas coisas".

Errata: Lula não teve o triplo de votos de Brizola, como publicado anteriormente.