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Há elementos fascistas no governo Bolsonaro, diz professor
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A cada dia que passa Jair Bolsonaro confirma que seu governo é influenciado por ideias de um dos movimentos mais abjetos da história: o fascismo. Se no início do mandato os especialistas tinham pudor de usar o termo, o próprio presidente faz questão de confirmar essa influência por atos e palavras.
A última oportunidade em que isso ocorreu foi na visita que fez ao primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, outro governante de extrema-direita. Ao exaltar a "comunhão de valores" entre os dois países, Bolsonaro repetiu o lema fascista "Deus, pátria, família e liberdade" (apenas a palavra "liberdade" foi acrescentada).
"Não há dúvida de que existem elementos fascistas dentro do governo", confirma o doutor em História Leandro Pereira Gonçalves, da Universidade Federal de Juiz de Fora, em entrevista à coluna. "O governo se articula dentro de uma tendência global dessa ótica populista, autoritária, mais radical".
O professor identifica em Bolsonaro a influência da versão brasileira do fascismo italiano, o integralismo, criado nos anos 1930 por Plínio Salgado. Rejeição a partidos políticos, crítica ao modelo de democracia liberal, anticomunismo e conservadorismo de costumes são algumas das características do movimento.
Autor do livro "O fascismo em camisas verdes - Do integralismo ao neointegralismo" , em parceria com o professor Odilon Caldeira Neto, Gonçalves avalia que o neofascismo cresceu enquanto as forças políticas progressistas do país viam esses grupos como algo anedótico, que jamais ofereceriam risco para a democracia.
Ele alerta para a banalização desse tipo de ideologia. "Há a naturalização em relação não apenas a práticas, mas até mesmo de discursos fascistas que atingem as ruas, atingem a sociedade", alerta
A íntegra da entrevista, em vídeo, pode ser vista aqui.
A seguir, os principais trechos:
Governo Bolsonaro é fascista?
Não há dúvida de que existem elementos fascistas dentro do governo. Há uma prática de articulação política fascista, inclusive com defensores desses ideais dentro do governo.
Penso que o governo se articula dentro de uma tendência global dessa ótica populista, autoritária, mais radical, com uma tendência de práticas fascistas. Principalmente dentro de uma composição muito simbólica, resgatando determinados ideias dos anos 30.
É bom ser destacado que essa não é uma tendência apenas do Brasil. É uma tendência global de organizações partidárias e lideranças populistas radicais de buscar nas origens do fascismo determinadas apropriações. É assim em muitos países. Foi assim semanas atrás na eleição portuguesa, que deu uma grande vitória ao Chega, do André Ventura, é assim no Vox, na Espanha, e porque não falar do próprio Donald Trump, e também o Viktor Orban, na Hungria.
(...) O bolsonarismo é um verdadeiro balaio de gatos, uma colcha de retalhos. Existem vários tipos de bolsonaristas dentro do governo e apoiadores do governo. Tem bolsonaristas do lado liberal de Paulo Guedes, caminhando pelo conservadorismo religioso neopentecostal, até grupos que defendem a intervenção militar. Dentro desses grupos bolsonaristas existem os neofascistas. Existe uma prática neofascista de uma militância dentro de determinadas articulações políticas, inclusive no governo Bolsonaro.
Integralismo, versão brasileira do fascismo
Esse foi um movimento que teve muito impacto na sociedade, milhares de pessoas em vários lugares do Brasil aderiram ao movimento integralista, que combatia os partidos políticos. Era contra o modelo da democracia liberal, uma questão que não pode passar desapercebida, porque até pouco tempo o presidente Jair Bolsonaro não tinha um partido político e sempre utilizou um discurso antissistema, algo muito próximo ao que era feito dentro dessa organização. Além de de ter esses grandes inimigos claros, como o comunismo.
(...) Esse lado simbólico é muito importante. Quando o governo, não só o presidente, mas quando outros grupos da política brasileira utilizam o lema "Deus, pátria e família" sabe-se muito bem o que está sendo feito. Não é um slogan que foi encontrado de forma aleatória. Obviamente se sabe que era o lema dos integralistas, do fascismo no Brasil, e propositalmente está sendo repetido, como por exemplo no que ocorreu na recente visita do presidente à Hungria.
Neointegralismo foi subestimado
Como o chefe (Plínio Salgado)morreu, muitos entendiam que o integralismo teria chegado ao fim. Os militantes reorganizaram o movimento em várias vertentes, com o ressurgimento de diversas organizações, justamente o neointegralismo.
Nesse momento, as organizações fascistas brasileiras passaram a ser tratadas com esse tom de chacota
(...) Quantas vezes eu, como estudioso do integralismo, já fui questionado. Até por acadêmicos. "Para que você está estudando integralismo? Para que está escrevendo a biografia de um líder que não tem importância alguma?" Então, a existiu, sim, um menosprezo das forças progressistas.
(...) Eu lembrei muito da relação que existia na política, dos neointegralistas com o PRONA, do falecido Enéas Carneiro. O Enéas sempre foi levado para esses tom mesmo de chacota, o voto de protesto. Só que os neointegralistas encontraram no PRONA do Enéas uma possibilidade de representação.
Banalização do fascismo
É um problema essa naturalização. Em relação não apenas a práticas específicas, mas até mesmo de discursos fascistas que atingem as ruas, atingem a sociedade. Isso não é algo novo. É algo que está ficando cada vez mais visível, mas que já está presente na nossa sociedade. Nos momentos pré-impeachment da presidente Dilma, em 2016, no ato que ocorreu na Avenida Paulista, por exemplo, carros de som carregavam aquelas faixas SOS militares, golpe militar, grupos da integralistas foram para as ruas para criticar a divisão dos três poderes.
Fascistas no governo, nas ruas e nos partidos
Os neointegralistas, em defesa do lema "Deus, Pátria e Família", foram inseridos em uma pasta fundamental para a manutenção da chamada ala ideológica do governo Bolsonaro, que é o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Os neointegralistas foram para as ruas e deixaram seu núcleo virtual. Eles atingiram a política e passaram a agir de forma radical. Basta lembrar episódios como o ataque em 2018 à UniRio, em que o Centro Acadêmico foi destruído por neofascistas, e , mais recentemente, em dezembro de 2019, o ataque à produtora do Porta dos Fundos.
Além disso, uma coisa que é importante ser ressaltada: os neointegralistas e neofascistas passam a aproveitar as brechas legais da política democrática brasileira, justamente para defender a antidemocracia, algo que a gente observa desde as últimas eleições presidenciais.
Depois de terem dialogado com o Prona, do Enéas, com o PRTB, de Levy Fidelix e do general Mourão, de ter dialogado com o Patriota, hoje os neointegralistas fazem parte de um dos grandes partidos da história do Brasil, que é o PTB de Leonel Brizola, de Getúlio Vargas, de João Goulart, e que hoje é defendido e liderado por Roberto Jefferson. Ele que justamente acena uma mudança da política do partido ao inserir o lema "Deus, Pátria, Família e Liberdade", justamente o que foi usado por Bolsonaro na Hungria.
O lema "Deus, Pátria e Família" está cada vez mais atual.
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