Das piadas de Emílio às barbaridades de Arthur do Val, a ficha está caindo

Depois da revolta generalizada com as barbaridades ditas pelo deputado Arthur do Val sobre mulheres ucranianas acuadas pela guerra, houve quem reclamasse que o Brasil está regredindo. Em pleno século 21 um político de projeção nacional ainda acha natural fazer comentários misóginos em meio a uma tragédia, que sugerem até turismo sexual? É de lascar.

Tanto o personagem quanto os áudios vazados são mesmo lamentáveis, mas é preciso olhar também para o tamanho da reação.

Relacionadas

Após atentados, defensora dos direitos trans vai sair do Brasil

Em seminário, Aras louva mulheres por escolherem a cor da unha e o sapato

MBL é um dos resultados tóxicos do movimento antipolítica

Desde que as falas foram divulgadas, Arthur do Val foi soterrado por uma avalanche de críticas. Não teve outra alternativa senão abrir mão da pré-candidatura ao governo de São Paulo, foi alijado do partido Podemos e tomou a iniciativa de sair do Movimento Brasil Livre (MBL), por temer prejudicar seus companheiros. Além disso, tudo indica que ele vai perder o mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo.

As condenações às molecagens do deputado não vieram somente da esquerda ou de grupos feministas. Formou-se um consenso suprapartidário contra Arthur do Val.

Isso não é pouca coisa.

A título de comparação, podemos lembrar uma barbaridade parecida que foi cometida há oito anos e completamente naturalizada. Em 2014, quando começaram os embates entre as forças da Ucrânia e da Rússia e a Crimeia foi ocupada pelos russos, o apresentador Emílio Surita, do programa Pânico, da Jovem Pan, fez "piadas" abjetas sobre as ucranianas que sofriam com o conflito.

Ao convidado daquele dia, o chef Henrique Fogaça, ele soltou a "brincadeira", agora resgatada pela memória implacável das redes sociais. Disse que tinha criado uma ONG. "A gente ajuda as meninas da Ucrânia que perderam os pais na guerra, de 17, 18, 19 (anos). É uma casa".

Empolgado, continuou na linha cafajeste. "Você sabe o que é uma guerra? Você não tem ideia do que foi uma guerra, você ficar órfã aos 18 anos e não ter ninguém para olhar por você. Eu e Bola temos a nossa ONG, chama-se 'Pau sem fronteiras'".

É certo que Emílio usa o pretexto de fazer "humor" para disparar idiotices, uma condição bem diferente de Arthur do Val, parlamentar que viajou à Ucrânia para fazer marketing eleitoreiro. Mas alguém duvida que se piada semelhante fosse feita hoje receberia uma forte condenação? Há oito anos, passou praticamente em branco.

Assim como dificilmente algum publicitário usaria duas mulheres tchecas para anunciarem uma marca de cerveja, como aconteceu há dez anos, em ação promocional no programa "Pânico na TV". Em um dos vídeos, torcedores em uma arquibancada gritam: "Libera a tcheca!".

A intensa reação aos áudios de Arthur do Val podem ser indício de que, apesar de estarmos em plena onda de reacionarismo, talvez uma boa parte da sociedade tenha percebido o quanto esse comportamento misógino é canalha.

Ou, como desenhou Laerte em uma profética tira de março de 2013, talvez a grande ficha esteja finalmente caindo. Há nove anos, a artista previu que em algum momento isso aconteceria.

Sem um pingo de espírito Poliana: o machismo e a misoginia estão aí mesmo, mostrando os dentes todos os dias. Mas é bom lembrar que sempre estiveram.

A novidade mesmo é a reação aos machistas e misóginos, que é cada vez maior. Talvez a grande ficha esteja caindo.