Topo

Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro é rei da campanha antecipada, mas partido ataca Lollapalooza

Jair Bolsonaro exibe camiseta com propaganda eleitoral em evento de governo, em junho de 2021 - Reprodução de vídeo
Jair Bolsonaro exibe camiseta com propaganda eleitoral em evento de governo, em junho de 2021 Imagem: Reprodução de vídeo

Colunista do UOL

27/03/2022 08h59

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Tal qual o lendário apresentador Chacrinha, o presidente Jair Bolsonaro não veio para explicar, mas para confundir. Talvez por isso o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não tenha compreendido ainda que, desde quando assumiu, o político mais poderoso do Brasil está em campanha antecipada. A administração dos problemas do país, a gestão para melhorar a vida de seus compatriotas, nada disso importa a Bolsonaro. Ele só pensa naquilo: reeleição.

São incontáveis os exemplos dessa campanha antecipada. Em comícios, motociatas, lives e manifestações o presidente fala como candidato, ataca os adversários, expõe sua plataforma para o próximo mandato, só falta pedir voto. O TSE finge que não vê.

Os ministros da nossa principal corte eleitoral não se mexeram nem quando, em junho do ano passado, Bolsonaro participou da cerimônia de entrega de títulos de propriedade rural na cidade paraense de Marabá. Ao falar à multidão, o presidente apareceu na TV Brasil e deixou-se fotografar pelos jornais exibindo uma camiseta onde se lia: "É melhor Jair se acostumando. Bolsonaro 2022".

Se isso não é propaganda eleitoral antecipada, o que será?

Enquanto o TSE ignora a realidade, o presidente mantém a postura de candidato, como se não houvesse nenhuma restrição legal a esse comportamento.

Não satisfeitos, os dirigentes do novo partido de Bolsonaro, o PL, resolveram levar o escárnio com o TSE ao ponto máximo. Depois que no primeiro dia do festival Lollapalooza, em São Paulo, o público e os artistas gritaram palavras de repúdio contra o presidente e que a estrela Pabllo Vitar desfraldou uma bandeira com a foto de Lula, advogados da legenda entraram com ação para que os organizadores do evento impeçam esse tipo de protesto.

Diz o texto da petição: "Eis porque a manifestação política em mais de um show, uma em absoluto desabono ao pré-candidato Jair Bolsonaro e outra em escancarada propaganda antecipada em favor de Luiz Inácio 'Lula', configuram propaganda eleitoral irregular".

Os bolsonaristas obedecem, assim, à cartilha do cinismo, cujo principal mandamento prega: "acuse seus inimigos do que você faz".

As manifestações do público do Lollapalooza "em desabono" a Bolsonaro são garantidas pela liberdade de expressão. Alguém pode lamentar que a multidão se expresse na política por meio de palavrões, mas as multidões são assim, não seguem manuais de etiqueta - basta lembrar como Dilma Rousseff foi xingada no Maracanã e no estádio do Corinthians na Copa de 2014. O próprio presidente é pródigo em baixarias contra os adversários em seus discursos.

Quanto à propaganda antecipada que a advogada do PL alega em sua reclamação, talvez fizesse algum sentido se os ministros do TSE tivessem mexido algum músculo para punir Jair Bolsonaro pela autopropaganda que produz há mais de três anos. Se não coibiram nenhum dos espetáculos eleitorais do presidente, como podem agora punir o festival pelo gesto de Pabllo Vitar?

A foto do evento em Marabá, que acompanha esse texto, é uma das provas de delito. Nessa ocasião, o tribunal não identificou "clara propaganda eleitoral em benefício de possível candidato ao cargo de Presidente da República", como o ministro Raul Araújo argumentou na decisão em que considerou delituosa a manifestação da cantora. Por causa disso, a organização do festival terá que pagar R$ 50 mil se algo parecido voltar a acontecer.

Entre o pano com o rosto de Lula, exibido no palco do Lollapalooza, e a camisa com propaganda eleitoral, mostrada por Bolsonaro, há, porém, grandes diferenças. No Pará, foi o próprio pré-candidato que tomou a iniciativa. Pior: aproveitou-se de um evento de governo para protagonizar a campanha antecipada.

De resto, seria curioso acompanhar como a organização do festival faria para controlar a multidão a cada vez que gritassem "Fora Bolsonaro" ou "Bolsonaro vai tomar no....". Por isso, a decisão liminar restringe-se ao comportamento dos artistas.

Mesmo com decisão parcialmente favorável do TSE, constata-se que a ação do partido do presidente teve efeito prático inverso ao pretendido. Os protestos da plateia do Lollapalooza ganharam repercussão ampliada no noticiário.

Diante disso, é grande o risco de que nos shows de hoje os gritos da plateia contra Bolsonaro soem ainda mais alto.