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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A trágica rotina do Rio, onde crianças convivem com tiros e risco de morte

Menina de 4 anos foi atingida durante uma ação de policiais da Draco e suspeitos de serem criminosos - Reprodução
Menina de 4 anos foi atingida durante uma ação de policiais da Draco e suspeitos de serem criminosos Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

02/06/2022 09h58Atualizada em 02/06/2022 12h59

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Desde cedo, crianças que moram em áreas pobres do Rio convivem com o som dos tiroteios. Tão comum como as brincadeiras com a bola de futebol ou com a boneca é a tensão presente na rotina de meninos e meninas moradoras de áreas dominadas pelo tráfico e pela milícia. A ação da polícia, que deveria aumentar a segurança desses lugares, acaba acrescentando um risco a mais para os pequenos, já que é feita muitas vezes com tiros disparados em meio a inocentes. "Os policiais foram atacados", é a justificativa que se repete nesses casos.

Foi assim na noite de ontem, no bairro da Taquara, na zona Oeste da cidade. Agentes da Polícia Civil, ao investigar denúncias de extorsão praticada pela milícia que domina o bairro, teriam sido atacados pelos criminosos. Reagiram e o tiroteio começou.

Uma menina de 4 anos que voltava da escola com a mãe foi baleada na cabeça. Está internada no Hospital Miguel Couto em estado grave.

Ninguém de bom senso deseja que os policiais se tornem alvos de bandidos e entreguem suas vidas em sacrifício. Mas não chega a ser uma circunstância imprevisível a reação de criminosos à ação dos agentes. O trabalho de inteligência, quando bem feito, pode reduzir a níveis mínimos a ocorrência de confrontos como o de ontem, travado em meio a cidadãos inocentes, como a criança que acabou baleada.

Outra decisão que deve ser levada em conta quando os criminosos atacam é recuar. Que a polícia retorne ao local em outro momento, com estratégia diferente, para preservar a segurança dos moradores.

Os detalhes do tiroteio de ontem ainda serão esclarecidos e a forma de ação dos policiais será avaliada ao longo da investigação. É preciso reconhecer, porém, que o modus operandi se repete: PMs ou agentes civis reagem aos ataques sem se preocupar com as pessoas ao redor, que apenas passam a caminho de casa, do trabalho ou da escola.

O Instituto Fogo Cruzado informa que a menina da Taquara é a quarta criança baleada este ano no Grande Rio. Uma delas morreu.

Há anos, o Rio vem se acostumando a chorar a morte de meninos e meninas atingidas por tiros em meio a confrontos entre criminosos e policiais. A recorrência dessas tragédias mostra que episódios assim são menos resultado de uma situação excepcional e inesperada e mais fruto do despreparo dos agentes do Estado. A falta de um planejamento de inteligência, a inoperância das autoridades responsáveis por evitar a chegada de armas e drogas aos bandidos e o desprezo pela vida das pessoas que moram nessas áreas é o que faz esses casos se repetirem.

Por isso, desde muito cedo as crianças cariocas que habitam áreas pobres dormem ou acordam ao som de tiros, convivem com as mortes decorrentes dessa circunstância, são orientadas a tentar se proteger em caso de tiroteios.

Muitas vezes não conseguem escapar, como aconteceu ontem.

E, infelizmente, como acontecerá de novo, sob a indiferença conivente de parte da sociedade.