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O encontro de Machado de Assis e Daniel Silveira na Biblioteca Nacional
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Difícil entender os motivos que levaram o presidente da Biblioteca Nacional a homenagear com a medalha da Ordem do Mérito do Livro um grupo de radicais bolsonaristas, essa gente tão apreciadora da leitura quanto Lima Barreto era íntimo das espingardas.
Obviamente, a ordem veio de cima. Se a intenção era tripudiar com a "esquerda" (é assim que o bolsonarismo classifica qualquer grupo que admire minimamente a cultura), basta imaginar o momento da solenidade para concluir: o tiro saiu miseravelmente pela culatra.
Quem duvidar, feche os olhos e tente reconstituir o momento em que o deputado marombado Daniel Silveira (PTB-RJ) entrou na Biblioteca Nacional (certamente pela primeira vez). Vaidoso, deve ter-se imaginado por cima da carne seca, sem desconfiar que os autores que povoam os livros ali guardados o espreitavam, debochados.
Machado de Assis certamente repetiu para si mesmo, em alguma estante, a frase que escreveu em crônica de 1861, no Diário do Rio de Janeiro: "Em nosso país a vulgaridade é um título, a mediocridade um brasão".
Não pode haver prova maior da tese machadiana que o parlamentar bombado.
Outro deputado, Hélio Lopes, que se orgulha de ser chamado de Hélio Bolsonaro pelo presidente da República e pelos eleitores, recebeu a medalha. Sobre esse personagem mudo, o talentoso cronista Marques Rebelo talvez tenha comentado aos sussurros, de dentro de algum livro: "Prefiro ter um pedaço, apenas, de um homem inteligente, a um homem insípido por inteiro". Marcado pela insipidez dos pés à cabeça, Hélio não poderia discordar, se tivesse ouvido a frase.
O delegado Alexandre Ramagem foi mais um bolsonarista a virar comendador. A ele, de um recanto da biblioteca, o irlandês George Bernard Shaw pode muito bem ter dedicado o enunciado segundo o qual "a democracia muitas vezes significa o poder nas mãos de uma maioria incompetente". Tem toda razão.
Por fim, o guru da extrema-direita, Olavo de Carvalho, foi homenageado in memoriam na tarde de ontem. Idolatrado por alguns fanáticos, onde quer que esteja possivelmente passe pelo crivo do verdadeiramente genial Millôr Fernandes.
No outro mundo, talvez Millôr tenha esbarrado com Olavo para ensinar-lhe com sarcasmo o segredo que aprendeu em vida: "O pior não é morrer. É não poder espantar as moscas".
Nunca saberemos com quais palavrões o astrólogo da Virginia, que se levava tão a sério, terá respondido à provocação.
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