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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Agronegócio e meio ambiente não caminham juntos

Lula em entrevista a Renata Vasconcellos, no Jornal Nacional - Reprodução de vídeo
Lula em entrevista a Renata Vasconcellos, no Jornal Nacional Imagem: Reprodução de vídeo

Colunista do UOL

27/08/2022 12h49

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O Brasil vive um tempo estranho em que as obviedades devem ser declaradas em alto e bom som, sob o risco de ingressarmos de vez em um buraco negro onde todas as verdades passam a ser relativas.

Por isso, é preciso repetir platitudes:

— A terra não é plana.

— Liberdade de expressão tem limites.

— O responsável por cuidar das eleições é o Tribunal Superior Eleitoral.

— Nenhuma vacina transforma as pessoas em jacaré.

Nesse esforço para recolocar as coisas em seus devidos lugares, é necessário apontar mais uma afirmação que relativiza a realidade, essa surgida em pleno Jornal Nacional, durante a entrevista de Luiz Inácio Lula da Silva. Deve ser rebatida.

Depois que o petista atribuiu ao seu discurso a favor da preservação ambiental a oposição de grandes empresários agrícolas, a apresentadora Renata Vasconcellos interrompeu para argumentar:

"Mas agronegócio e meio ambiente caminham juntos...".

Não demorou para que as redes sociais entrassem em ação para pegar no pé de Renata. A afirmação gerou muitos memes e a todo momento pipocam novas piadas com o tema.

Não é o bastante. Para além do mundo da lacração, é necessário passar as coisas a limpo e dizer claramente que a apresentadora errou.

Agronegócio e meio ambiente não caminham juntos.

Não que todos os empresários do setor sejam destruidores da fauna e da flora. Como o próprio Lula comentou na entrevista, uma parte deles exporta para a Europa e para China, não quer desmatar.

Mas uma outra parte (que o presidenciável do PT classificou de "fascista" e "direitista") inspira figuras maléficas como o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que na célebre reunião ministerial de abril de 2020 disse que o governo deveria aproveitar que as atenções da imprensa estavam voltadas para a pandemia e desregulamentar as regras ambientais em favor dos negócios da agropecuária. Ali ele cunhou a expressão "passar a boiada", essa pérola da infâmia bolsonarista.

Infelizmente, os empresários que desprezam o meio ambiente não são uma fração desprezível do segmento. Têm voz majoritária no governo, onde seu representante principal é Nabhan Garcia, secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura.

Garcia é um notório defensor do afrouxamento da regulação ambiental e favorável a instrumentos de regularização fundiária que claramente beneficiam os grileiros.

Os empresários que não dão a mínima para o ecossistema também são bastante influentes no Congresso, por meio da Frente Parlamentar do Agronegócio, que tem entre suas prioridades tornar cada vez menos rigoroso o licenciamento ambiental e o controle sobre agrotóxicos.

Não é nenhum segredo que um dos principais motivos de desmatamento da Amazônia e do Cerrado é a produção de carne, já que a vegetação nativa tem sido derrubada para dar lugar à pastagem e à plantação de ração.

Além disso, os donos de empresas agrícolas que veem a natureza como estorvo têm provocado perda da biodiversidade, degradação do solo, contaminação da água e muitos outros problemas.

Para mudar a péssima imagem que muitos têm do agronegócio brasileiro - tanto aqui quanto no exterior - é preciso que os empresários com pensamento e prática diferentes desses que hoje reinam no cenário brasileiro levantem a voz e tomem a frente do segmento.

Por enquanto, não é o que acontece.

Com o apoio das estrelas da música sertaneja e das inserções publicitárias na TV Globo, o agro hoje pode até ser pop.

Mas está longe de caminhar junto do meio ambiente, como afirmou Renata Vasconcellos.