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Chico Alves

REPORTAGEM

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Encontro com rainha Elizabeth mudou a vida do ex-banqueiro Eduardo Moreira

Eduardo Moreira e Rainha Elizabeth - Divulgação
Eduardo Moreira e Rainha Elizabeth Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

09/09/2022 13h34

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De ex-banqueiro a apoiador entusiasmado do Movimento dos Tabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a vida de Eduardo Moreira passou por mudanças radicais. Algo ainda mais inusitado é que parte dessas mudanças foram indiretamente motivadas por dois encontros que ele teve com a rainha Elizabeth 2ª, que faleceu ontem. O primeiro em 2012, quando foi condecorado por ela por defender a doma não-violenta de cavalos, e o segundo em 2016, quando foi o primeiro brasileiro sem ser chefe de Estado a estar com Elizabeth 2ª na residência privada.

"Conheci a mulher por trás da rainha", disse Moreira à coluna. Na segunda oportunidade, ele recorda que conversou por meia hora sobre vários assuntos que a fizeram dar gargalhadas. Mas ela também foi ás lágrimas quando Moreira contou sobre a avó que falecera pouco antes da viagem para a Inglaterra.

Homenageada pelos súditos britânicos, Elizabeth 2ª também é bastante criticada em outros pontos do planeta por reinar em um país que colonizou e explorou tantos países pobres. Eduardo entende as críticas, mas pondera: "Podemos inventar qualquer coisa na nossa cabeça para tentar imaginar uma rainha mais "boazinha", usando a linguagem popular", diz. "Mas eu acho que é muito fácil também imaginar uma rainha muito mais danosa que ela. Uma rainha, enfim, que tivesse um alinhamento claro com a extrema-direita ou com as ditaduras".

O encontro com Elizabeth teve tal repercussão no Brasil que seu livro virou best-seller. Por causa disso, viajou o país para explicar a lógica da não-violência e viu de perto as desigualdades. Foi a partir daí, quando se interessou em conhecer as raízes da injustiça social, que ele deixou de ser banqueiro e passou se dedicar a ajudar causas como a do MST.

Hoje dirige o Instituto Conhecimento Liberta (ICL), que dá cursos baratos ou gratuitos em várias áreas de aprendizado.

"Estou hoje, sim, no campo progressista, que é um campo supercrítico à rainha e à monarquia de uma forma geral", reconhece Moreira. "Mas eu não tenho como deixar de ser grato a tudo que ela representou na minha vida".

UOL - Por quais motivos você esteve com a rainha Elizabeth por duas vezes?

Eduardo Moreira - O primeiro encontro que eu tive com a rainha foi em 2012. O amigo mais próximo dela foi ao longo das últimas décadas o americano chamado Monty Roberts, conhecido mundialmente como Encantador de Cavalos, por causa de seu método de domar esses animais sem violência. Eu sou muito próximo de Roberts.

Essa relação começou depois de um curso que eu fiz com ele pra aprender o método de doma não-violenta de cavalos. No Brasil, passei a fazer palestras e demonstrações para sobre o assunto, sobre comunicação não-violenta. E escrevi um livro sobre isso. O Monty Roberts levou à rainha Elizabeth o trabalho que eu estava fazendo no Brasil e ela, que é interessada no assunto, resolveu me oferecer uma homenagem, uma condecoração por esse trabalho que eu estava fazendo.

A rainha sempre teve essa preocupação, era uma espécie de patronesse do Encantador de Cavalos americanos, era interessada em espalhar a mensagem da não-violência. Então, em 2012 ela me chamou e eu fui o primeiro brasileiro a receber essa condecoração, no castelo de Windsor.

Rainha Elizabeth, Eduardo Moreira e esposa, Juliana Baroni (à esquerda) - Divulgação - Divulgação
Rainha Elizabeth, Eduardo Moreira e esposa, Juliana Baroni (à esquerda)
Imagem: Divulgação

O que esse encontro mudou em sua vida?

Isso teve uma repercussão grande, a Ana Maria Braga me chamou pra dar uma entrevista no programa dela e isso fez com que o livro "Encantadores de Vidas" se transformasse em um estouro de vendas. Se tornou o livro mais vendido do Brasil e ficou durante um tempo em primeiro lugar em todas as listas no Brasil. Foi lido por várias pessoas e uma delas foi o comandante da Academia do Barro Branco, onde são formados policiais de São Paulo. Ele resolveu adotar essa filosofia da não-violência no treinamento dos cadetes. Antes era um treinamento muito violento, com trotes e outras práticas do tipo.

Ele resolveu fazer essa mudança e teve resultados muito positivos. Eu levei isso ao conhecimento da rainha através do Monty Roberts de novo e aí, em 2016, ela nos convidou e pediu pra levar também o coronel José Maurício Peres. E ela nos recebeu na casa dela, dentro do castelo de Windsor. Eu acho que foi a primeira visita de um brasileiro também sem ser um chefe de Estado ao lugar onde ela mora.

Quando a gente foi recebido ali na sala de estar, no salão de carvalho, pudemos conversar mais ou menos meia hora sobre vários assuntos.

Como foi a conversa?

A primeira coisa que ela falou foi assim: "Eu me lembro a última vez que estive no Brasil, em 1968". Ela olhou pra mim, e fez uma uma expressão de crítica. Disse: "As coisas estavam muito complicadas naquela época no seu país, não é?". Era a época da ditadura.

Depois, a gente teve uma conversa? não da rainha, sabe? Mas da Elizabeth. Foi uma conversa muito humana. Durante o papo ela riu, deu gargalhadas. Ela chorou quando eu comentei que a minha avó tinha acabado de morrer antes de eu viajar e que eu cheguei a pensar em não ir por causa da tristeza que estava sentindo. Ela se emocionou e chorou mesmo, de derramar lágrima. Ali a gente pôde conhecer a pessoa que existe por trás da rainha, que quase ninguém tem essa oportunidade de conhecer.

É um fardo muito grande. Eu imagino um monarca, na Inglaterra ou em qualquer país, no momento que nasce a vida particular está sequestrada, eu diria até que a felicidade de certa forma está sequestrada.

Você carrega um fardo que, no caso da Inglaterra, é o peso de um país que tanto sofrimento já trouxe para o mundo, tanto pilhou, tanto colonizou e utilizou-se de um trabalho explorado ou escravizado de vários outros países. Inevitavelmente um monarca tem uma vida cheia de contradições.

Muitas pessoas progressistas como você têm dificuldade de enxergar o lado humano de uma rainha como ela.

Tem um ponto importante que é o seguinte: ela poderia ter sido uma monarca, digamos, mais caridosa, mais bondosa, poderia ter abdicado do trono para a Inglaterra não ter mais monarquia? Podemos inventar qualquer coisa na nossa cabeça para tentar imaginar uma rainha mais "boazinha", usando a linguagem popular.

Mas eu acho que é muito fácil também imaginar uma rainha muito mais danosa que ela. Uma rainha, enfim, que tivesse um alinhamento claro com a extrema-direita ou com as ditaduras ou com outros tipos de regime.

Por isso a fala do Lula, ontem, de que ela foi uma pessoa que sempre soube sentar, conversar e conviver com a diversidade e as adversidades.

Existe uma questão geracional. Vamos lembrar que era uma pessoa de 96 anos, que nasceu em outra geração.

Ela foi tocando essa vida com coragem, com capacidade de diálogo e na Inglaterra conseguiu resgatar a paixão do povo inglês pela monarquia. A vida da monarca é claramente cheia de contradições, carrega todo esse peso de um país que tanto mal fez para o mundo, principalmente para o mundo mais pobre.

Mas a experiência que eu tive foi com a pessoa por trás da rainha. E essa pessoa se mostrou incrivelmente humana no segundo encontro que a gente teve.

Eu sou muito grato porque foi graças ao primeiro encontro que tive com ela e à condecoração que ela me ofereceu que passei a viajar o Brasil inteiro pra falar sobre não-violência e sobre o meu livro. Passei a conhecer o país e graças a isso eu comecei a estudar a questão da desigualdade, que me incomodou muito nessas viagens.

Então, a ficha caiu quando eu entendi os motivos da desigualdade e por isso eu estou hoje, sim, no campo progressista, que é um campo supercrítico à rainha e à monarquia de uma forma geral.

Mas eu não tenho como deixar de ser grato a tudo que ela representou na minha vida. Não tenho como não lembrar de uma maneira muito carinhosa do encontro que a gente teve e da humanidade que ela demonstrou ali.

Sou um crítico total da forma exploradora, colonizadora e manipuladora como a Inglaterra atuou ao longo da história. Mas uma rainha nasce com isso já em curso e sem poder muito além do simbólico. Enfim, consigo imaginar uma rainha muitas vezes pior do que ela, mas é difícil imaginar uma muito melhor, dadas, as circunstâncias.