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Chico Alves

REPORTAGEM

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Kelmon reforça elo bolsonarista com integralismo, o fascismo à brasileira

Kelmon (hoje identificado como Padre Kelmon, à direita) com Victor Barbuy, então presidente da Frente Integralista Brasileira, em 2012 - Site da FIB
Kelmon (hoje identificado como Padre Kelmon, à direita) com Victor Barbuy, então presidente da Frente Integralista Brasileira, em 2012 Imagem: Site da FIB

Colunista do UOL

29/09/2022 04h00

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Ao anunciar que seu objetivo no debate de presidenciáveis do SBT e da CNN, realizado no sábado (24), era defender Jair Bolsonaro (PL), o exótico candidato Padre Kelmon (PTB) não revelou apenas uma estratégia eleitoral. A parceria entre Bolsonaro e Kelmon tem outro ingrediente, bastante sinistro. O petebista é mais um personagem ligado ao integralismo - cópia brasileira do fascismo italiano - que se alia ao presidente.

Seja participando do governo, seja atuando junto aos filhos presidenciais ou entre os apoiadores da campanha à reeleição, os adeptos da ideologia autoritária criada em 1930 têm influência direta no grupo bolsonarista. No debate, Kelmon fez defesa enfática de Bolsonaro - ele substitui Roberto Jefferson, cuja candidatura foi impugnada por ter sido condenado no caso do Mensalão. O PTB abriga alguns militantes integralistas e apoia o presidente da República.

A proximidade de Kelmon com os integralistas pode ser constatada nos registros de sua participação no 4º Congresso Nacional do Integralismo, realizado em 2012, em São Paulo. As fotos em que o hoje presidenciável aparece como conferencista e o teor dos assuntos debatidos na ocasião foram resgatados pelo historiador Leandro Pereira, da Universidade Federal de Juiz de Fora, que, junto com Odilon Caldeira Neto, escreveu o livro "O fascismo em camisas verdes - do integralismo ao neointegralismo".

Naquele congresso foi debatida a defesa das "tradições cristãs da Nação Brasileira", da "propriedade condicionada aos deveres do proprietário para com o Bem Comum" e da "dignidade e intangibilidade da Pessoa Humana e de sua vida, desde a concepção até a morte" - ou seja, a condenação do aborto. Também criticaram a "promoção da pornografia", e iniciativas de "incentivo ao homossexualismo, do controle populacional e da reengenharia cultural". Atacaram o PT, o comunismo e o liberalismo, tudo sob o tradicional lema "Deus, Pátria e Família".

Versão brasileira do fascismo criado pelo italiano Benito Mussolini, o integralismo foi idealizado por Plínio Salgado. O Brasil é oficialmente contra as propostas nazifascistas e ideologias semelhantes desde a Segunda Guerra Mundial, quando o país enviou soldados da Força Expedicionária Brasileira à Europa para lutar contra as tropas de Mussolini e Adolf Hitler.

"Uma das principais características do fascismo é a visão que divide a sociedade entre 'nós' e 'eles', entre amigos e inimigos. Pensam: se você não é como eu, é meu inimigo, e posso usar da violência, seja ela política, física ou jurídica", explica Odilon Caldeira Neto, professor de História Contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora. "O integralismo é uma das expressões disso".

A coluna encaminhou à assessoria de imprensa de Kelmon algumas perguntas sobre o assunto. Uma delas: visto que participou do congresso de 2012, qual participação dele no movimento integralista? A resposta, que não foi dada pelo próprio candidato, é a seguinte: "Ele apoiava a pauta antiabortista. Como padre, foi defender a vida. Padre Kelmon só pertence ao MCC, Movimento Cristão Conservador". Na verdade, o evento tratou de vários outros temas além da condenação ao aborto.

Padre Kelmon fez dobradinha com Bolsonaro durante o debate entre presidenciáveis no SBT - Lourival Ribeiro/SBT/Divulgação - Lourival Ribeiro/SBT/Divulgação
Padre Kelmon fez dobradinha com Bolsonaro durante o debate entre presidenciáveis no SBT
Imagem: Lourival Ribeiro/SBT/Divulgação

O governo Bolsonaro teve diversos representantes do integralismo. Desde a nomeação de um ativista da Frente Integralista Brasileira (FIB), o advogado Paulo Fernando Melo da Costa, como assessor do ministério que era chefiado por Damares Alves, à participação de adeptos do movimento em partidos da base do governo, como é o caso do PTB.

O próprio Kelmon é um dos candidatos apoiados pela FIB. Damares (que concorre ao Senado no Distrito Federal, pelo Republicanos) e seu ex-assessor Melo da Costa (que postula uma vaga de deputado federal pelo PTB) também o são.

Sobre esse aval dos integralistas, a assessoria de Kelmon alegou o seguinte à coluna: "Os candidatos recebem recomendações de votos das mais diversas origens. Lula recebe recomendações de voto de facções criminosas e isso parece não surpreender a mídia [não é verdade que o petista tenha recebido recomendação de voto de qualquer facção desse tipo]".

De uma maneira geral, a ligação de bolsonaristas com o integralismo é coberta de discrição. Uma das raras exceções é a ex-ministra Damares Alves. "O movimento integralista, pelo que conheço, defende Deus, Pátria, família, e essa é a minha bandeira", disse ela, em entrevista ao jornal mineiro O Tempo, publicada no domingo (25).

Há outros indícios dessa influência no bolsonarismo.

Flávio Bolsonaro, o filho 01 do presidente, esteve em 2018 na Câmara Municipal de Niterói para prestigiar homenagem a Breno Zarranz, dono da editora GRD, especializada em publicações sobre integralismo. O autor da menção foi o então vereador Carlos Jordy, que viria a ser deputado federal e bolsonarista ferrenho.

Zarranz também é amigo de Eduardo Bolsonaro e integra o grupo do qual participava Eduardo Fauzi, o autor do atentado com coquetéis molotov contra a produtora Porta dos Fundos. Segundo disse, Fauzi cometeu o ato terrorista por discordar do especial de Natal do grupo de humor, que retratava Jesus como gay.

Outro indício dessa ligação: o natimorto partido Aliança Pelo Brasil, que Bolsonaro pretendia criar para concorrer às eleições desse ano, mas não alcançou o mínimo de assinaturas exigidas, teria o mesmo lema do movimento criado por Plínio Salgado, "Deus, pátria e família".

Segundo sua assessoria, Kelmon não se assume integralista. Á pergunta da coluna sobre se o petebista não acha que esse tipo de ideologia seria prejudicial à sociedade brasileira, a assessoria responde: "Todas as ideologias coletivistas são prejudiciais à sociedade, Padre Kelmon é frontalmente contra todas elas. Segundo ele, Deus nos deu o livre arbítrio para ser exercido, por isso, não compactua com nenhuma ideologia que põe o Estado sobre o indivíduo".

Apesar disso, as ideias que o obscuro presidenciável do PTB expôs no debate SBT/CNN se aproximam bastante da pregação integralista. Provavelmente deve repetir a dose no debate de hoje, na TV Globo, onde terá a ouvi-lo a audiência da maior emissora do país.

Além de ter sua condição de padre ortodoxo negada pela Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia do Brasil, Kelmon está às voltas com outros rolos: gastou 97% do fundo eleitoral com agência de marketing de um antigo parceiro do PTB e admitiu que recebeu auxílio emergencial.

A proximidade (para dizer o mínimo) com o integralismo é mais uma de suas encrencas.

Esse tipo de conduta e de ideologia diz muito não só sobre Kelmon, mas também sobre Bolsonaro, que o terá como parceiro no debate de hoje, na Globo.