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Chico Alves

REPORTAGEM

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Boné com CPX está sendo mais usado, diz ativista que recebeu Lula no Alemão

Lula e Renê Silva - Selma Souza / Voz das Comunidades
Lula e Renê Silva Imagem: Selma Souza / Voz das Comunidades

Colunista do UOL

15/10/2022 10h58

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Anfitrião de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na visita que o presidenciável fez na quinta-feira (13) ao Complexo do Alemão, no Rio, o jornalista e ativista Renê Silva, 27 anos, rebate as mentiras e manifestações de racismo que circulam nas redes sociais desde então. O gatilho para os ataques foi o boné com a inscrição CPX, uma abreviatura da palavra "Complexo", que criadores de fake news associaram a uma facção de traficantes.

"Quando se trata de favelas, sempre acontecem preconceitos, ataques racistas", lamentou Renê à coluna. "Durante as operações policiais, quando tem mortes de criança, adolescente, mulheres, sempre tentam incriminar todo mundo, colocando no mesmo pacote como se todos os moradores fossem bandidos. Então, já era de se esperar esse tipo de ataque".

Em discurso feito hoje, no Piauí, Jair Bolsonaro (PL) associou a abreviatura CPX a bandidos.

O efeito colateral dos ataques é que o boné que motivou tantas mentiras passou a ser sucesso de venda. Renê postou hoje em seu perfil no Twitter que o fabricante recebeu 500 pedidos da peça nas últimas 24 horas. "Muita gente ficou chateada com toda essa repercussão negativa, porque é o nome do nosso território", explica. "Então, as pessoas estão agora comprando e usando mais esse boné do CPX. Já era algo que as pessoas usavam e agora mais ainda".

Aos 11 anos, em 2005, Renê criou o Voz das Comunidades, jornal que se transformou em rede de comunicação independente que hoje é porta-voz de várias favelas do Rio. Nessa entrevista, ele diz que as mentiras divulgadas na visita de Lula ao Alemão poderão fazer Bolsonaro perder votos, nega que tenha havido acordo com o tráfico para a realização do evento e pede que os moradores das favelas tenham poder de decisão nas políticas públicas voltadas para as comunidades, caso o petista vença a eleição.

UOL - Esse ataque racista depois da visita de Lula ao Alemão pegou você de surpresa?

Renê Silva - A caminhada e a reunião de Lula com as lideranças comunitárias foi um grande sucesso e acho que isso incomodou muito, surpreendeu todo mundo. Surpreendeu tanto o pessoal da campanha, do partido. A própria comunidade se surpreendeu assim com a quantidade de pessoas que eram não só daqui, do território do Complexo do Alemão, como de várias outras favelas. Isso foi muito legal, foi muito importante e bastante simbólico.

Com isso, a gente já esperava, sim, que fosse acontecer algum tipo de ataque, porque sempre acontece. Quando se trata de favelas, sempre acontece preconceitos, ataques racistas. Isso não é uma novidade. Durante as operações policiais, quando tem mortes de criança, adolescente, mulheres, sempre tentam incriminar todo mundo, colocando no mesmo pacote como se todos os moradores fossem bandidos. Então já era de se esperar esse tipo de ataque.

Mas eu não imaginava que fosse ter tamanha repercussão. A nossa equipe do Voz das Comunidades e a equipe da campanha agiram muito rápido. Horas depois que essas fake news começaram a se espalhar, rapidamente nós conseguimos acionar vários veículos midiáticos para dizer que aquilo era uma mentira. E pelo fato de ser uma informação que é totalmente inverdade, a gente conseguiu imediatamente ter um apelo midiático também muito interessante de jornais, no rádio, televisão, em todos os lugares, corrigindo e mostrando que aquilo era uma grande mentira. Porque todo mundo abrevia CPX para falar dos complexos, seja Complexo do Alemão ou Complexo de Manguinhos, Complexo da Maré. Até em documentos oficiais do governo do estado vem escrito CPX. A própria Polícia Militar do Rio de Janeiro quando vai abreviar o nome de um dos complexos também bota CPX.

Então não tem como ser usado da maneira criminosa como estão fazendo, dizendo que a sigla significa Comando Vermelho, uma sigla da facção, quando na verdade quem está cometendo o grande crime contra as pessoas pobres e faveladas são esses bolsonaristas que estão espalhando mentiras. Não atingem somente a campanha do Lula, mas também a comunidade. Com isso, muita gente se revoltou, muita gente ficou muito chateada com toda essa repercussão negativa, porque é o nome do nosso território. Então, as pessoas estão ainda mais agora comprando e usando mais esse boné do CPX. Já era algo que as pessoas usavam e agora mais ainda.

Acha que essas postagens preconceituosas podem fazer com que Bolsonaro perca votos nas favelas?

Sim, com certeza. Isso atinge não só as pessoas do Complexo do Alemão, mas atinge as pessoas de favela como um todo, que se sentem muito desassistidas pelo governo federal. Nesses quatro anos, por exemplo, não teve nenhum tipo de investimento do governo federal no Rio de Janeiro, nas favelas do Brasil. Quando tem esse tipo de fake news, atacam diretamente as pessoas que moram nesse território, as pessoas que moram na favela, dizendo que todo mundo é bandido. Isso é muito perigoso e criminoso também.

Acho que Bolsonaro perde votos porque reforça muito o esteriótipo de que na favela só mora bandido. Quem não mora numa favela ou quem não mora no Rio de Janeiro, pessoas do Brasil inteiro não têm realmente noção de como é a realidade da favela, de uma gente trabalhadora, que aqui é um lugar onde mora muita gente do bem, que a maioria das pessoas são cidadãos de bem.

Inclusive tem eleitores do Bolsonaro na favela, mas quando você fala que CPX é uma sigla do tráfico, quando se fala que favelado é bandido, está se falando que todo mundo que estava no no ato era traficante. Eu vi vários tuítes sobre isso. Vários posts falando que Lula se reuniu com traficantes no Alemão.

O que tem a dizer sobre essa acusação de que Lula fez acerto com o tráfico para ir à favela?

Muito curioso esse tipo de comentário, porque o Lula não foi para dentro do Complexo Alemão, ele foi na avenida principal e e teve todo o esquema de policiamento. Não teve nada de acerto com o tráfico para a ida do Lula. Eles estavam cientes como todo mundo estava ciente na comunidade, porque carro de som estava circulando, faixas foram espalhadas, foi uma mobilização autêntica do Voz das Comunidades. Tanto que em todas as reuniões eu fiz questão de ter a presença dos policiais da UPP da região.

No dia anterior eu mesmo fui parado numa blitz, estava com os adesivos do Lula na mão. Os policiais estavam fazendo uma inspeção geral justamente por conta dessa visita do presidente nessa avenida principal. Então não faz sentido nenhum e muito curioso.

A jornalista Flávia Oliveira comentou na Globo News que ninguém questionou os bolsonaristas quando o Cláudio Castro e o Romário fizeram campanhas dentro do Complexo do Alemão. Foram bem no interior da favela, jogaram, fizeram campeonato de futebol, ficaram lá à noite durante os eventos e ninguém questionou se teve acordo ou não com o tráfico. Agora questionam quando o Lula vem de manhã na avenida principal, na Itararé. Muito louco, né?

Acredita que a mobilização das favelas e periferias pode ajudar a reduzir o impacto das fake news e da manipulação dos evangélicos contra Lula?

Com certeza. Inclusive, o que eu percebi muito durante essa caminhada aqui no Complexo do Alemão com o presidente Lula é que estavam presentes várias pessoas de igrejas conservadoras, de igrejas que têm falado no púlpito pelo voto em Bolsonaro, estavam presentes com boné, com bandeiras, caminhando todo o percurso junto com o presidente Lula.

As pessoas, muitas delas também nesse dia puderam declarar seu voto de verdade. Algumas sofreram críticas dentro do próprio meio da igreja e tudo mais, mas muitas se declararam e acho que é um fator importante para influenciar outras pessoas e mostrar que você não está pecando se você votar no Lula, porque é esse o discurso que algumas igrejas têm passado. Infelizmente fiéis, alguns membros da igrejas, acabam caindo nessas mentiras que são propagadas dentro de algumas religiões.

Acho que essa mobilização das favelas e periferias do Rio de Janeiro vai ajudar na campanha de modo a fazer as pessoas entenderem que sim, elas podem votar no Lula.

Que tipo de participação acredita que as favelas podem ter em um possível governo Lula? Quais as principais reivindicações ao candidato?

A participação da favela tem que ser legítima, tem que ser verdadeira dentro do governo Lula. Eu estava conversando muito isso com a Janja, conversei com o presidente. A gente trocou algumas ideias falando sobre isso, sobre essa necessidade real de ter um diálogo com a favela, de ter uma construção junto com a favela.

Nos governos passados do PT teve muito investimento para as pessoas mais pobres, menos favorecidas. Mas nós não estávamos lá no poder. Nós não estávamos lá assinando e decidindo pela gente. Outras pessoas brancas e não moradores de favelas e periferias do Brasil estavam decidindo o que as pessoas pretas e o que as pessoas que moram nas favelas querem. Quando, na verdade, a gente pode decidir isso.

Uma reivindicação muito grande, até mesmo nesse encontro com as lideranças comunitárias do Complexo do Alemão junto com outras favelas é que a gente possa participar efetivamente da construção desse governo. Tanto que durante o discurso, após a caminhada aqui na estrada do Itararé, o presidente falou no trio elétrico que quer criar um comitê das favelas pra que as comunidades possam decidir quais são os projetos do governo de todas as secretarias, todos os ministérios, para a favela. Então, a favela ter poder de decisão também vai fazer a diferença total nesse novo governo