Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Após intervenção de Bolsonaro, polícia foi tchutchuca com Jefferson
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Uma das máximas repetidas na campanha de Jair Bolsonaro a presidente, em 2018, era que os bolsonaristas não tinham "bandido de estimação", como seria o caso da esquerda. Depois de vencer a eleição e tomar posse, Bolsonaro desmentiu rapidamente essa afirmação. Fez o possível para amenizar a situação do filho Flávio, acusado de praticar rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio; indultou o deputado Daniel Silveira, condenado à prisão por ameaçar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), e chegou a punir agentes do Ibama que combatem a ação de garimpeiros ilegais e desmatadores da Amazônia.
Há muitos outros exemplos, mas o que aconteceu ontem supera todas as expectativas.
Depois de ofender a ministra Cármen Lúcia, do STF, e ter sua prisão domiciliar revogada, Roberto Jefferson chegou ao ápice da insensatez quando recebeu a tiros de fuzil e arremesso de granadas os policiais federais que foram até sua casa, no interior do Rio, para levá-lo de volta ao xilindró. Uma agente e um delegado ficaram feridos.
Não demorou para que Bolsonaro e os responsáveis por sua campanha à reeleição estimassem o efeito radioativo do caso para seus objetivos eleitorais, já que Jefferson é um aliado muito próximo. Passaram, então, a agir.
Bolsonaro anunciou que mandaria o ministro da Justiça, Anderson Torres, ao Rio para acompanhar o que chamou de "lamentável episódio". Torres acabou não indo, mas acompanhou cada minuto da negociação pelo celular, de Juiz de Fora, cidade onde estava.
O presidente e o ministro transformaram, assim, uma ocorrência criminal, que agentes e delegados da PF têm toda a condição de resolver, em assunto de Estado.
A partir daí, enquanto nas redes sociais Bolsonaro tentava se desvincular da imagem de Jefferson, as negociações para a prisão do ex-deputado transcorriam fora de todos os protocolos, em clima de absurda cordialidade.
"O tratamento dispensado a quem atira em policial é o de bandido", disse Bolsonaro em um vídeo.
Na prática, aconteceu o contrário. O vídeo da negociação mostra um agente ou delegado conversando cordialmente com Jefferson para tentar delicadamente convencê-lo a sair de casa e se deixar levar para a prisão. É uma das negociações mais vexaminosas que já se viu.
Começa com o policial se colocando à disposição do homem que Bolsonaro chamou de bandido: "O que o sr. precisar, a gente...", diz o policial. O ex-deputado, então, interrompe: "Não atirei neles, eles sabem". O policial faz, então, gesto de aprovação com os dois polegares. "A gente viu que o sr. (inaudível)...".
O negociador o tempo todo se dirige a Jefferson para minimizar a gravidade do ato que ele acabara de cometer. "Os 'meninos' estão bem" e "Fica Tranquilo" foram algumas das frases ditas ao criminoso.
Quando o deputado comentou que os federais que foram prendê-lo não usavam colete, o policial encarregado da negociação passou a desmerecer o trabalho dos colegas.
"Presidente (?), os 'meninos' que vieram aqui são da inteligência. Eles não sabem nem o que é isso. Para você ter noção, são burocráticos, trabalham em inteligência, em escritório, não são operacionais", disse.
Em outro trecho vergonhoso, Jefferson conta que falou para si mesmo que não devia atirar. A resposta do policial é inacreditável: "Agradeço".
O homem que deveria ser agente da lei pergunta em seguida que tipo de granada era aquela arremessada pelo ex-deputado. Ele responde que era de efeito moral. O negociador em seguida sorri. "Tá todo mundo tossindo lá", informa, com ar divertido.
No fim do vídeo, Jefferson conta que o federal "de cabecinha branca" atirou contra ele. E o policial volta a desqualificar os colegas, como um pai pedindo desculpas pela travessura de um filho levado: "Mas eles não sabiam nem no que eles estavam atirando, coitados".
Algo parecido já tinha acontecido na prisão do ex-ministro Milton Ribeiro, que teve condições diferenciadas por intervenção do presidente.
Aconteceu novamente - a diferença dessa vez é que o vídeo documenta tudo.
O nível de camaradagem do policial com Roberto Jefferson - alguém que poucas horas antes tinha atirado contra dois colegas de corporação — é chocante.
As imagens provam que, enquanto Bolsonaro foi às redes sociais fingir que era tigrão com Jefferson, sua polícia agia como tchutchuca com o aliado que agora o presidente tenta renegar.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.