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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ao criticar manipulação religiosa de Macedo, Gleisi acerta mais uma vez

Gleisi Hoffman e Edir Macedo - Sérgio Silva/Divulgação e Alan Santos/PR
Gleisi Hoffman e Edir Macedo Imagem: Sérgio Silva/Divulgação e Alan Santos/PR

Colunista do UOL

05/11/2022 06h45

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Entre os muitos aliados que ajudaram Luiz Inácio Lula da Silva a conquistar sua terceira vitória na corrida ao Palácio do Planalto, uma merece destaque especial: a deputada e presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Nos momentos mais difíceis, quando a imprensa e os adversários ainda idolatravam a Lava Jato, criminalizavam os petistas e davam Lula como carta fora do baralho, ela estava a seu lado.

Gleisi não cumpriu apenas o papel protocolar, de presidente da legenda. Dedicou um grande tempo de sua vida a apoiar Lula na fase em que, segundo o próprio presidente eleito, queriam "enterrá-lo vivo". Seja nas absurdas conduções coercitivas, no último comício antes de ser levado para a prisão de Curitiba ou na insistente vigília no acampamento em frente à sede da Polícia Federal, onde ele ficou preso, a deputada sempre estava lá.

Depois, na campanha eleitoral, conduziu com firmeza e serenidade o partido diante de um adversário que lançou mão dos recursos mais sujos que já se viu em uma corrida presidencial no Brasil.

Entre os que aplicaram golpes abaixo da linha da cintura estava o bispo Edir Macedo, que colocou a Igreja Universal do Reino de Deus a serviço da candidatura de Jair Bolsonaro. Como outros líderes evangélicos, Macedo fez o possível para que o presidenciável do PT fosse visto por seus fiéis como um inimigo da igreja, em uma condenável mistura de religião e política.

Além das menções em cultos, menos diretas, houve uma sequência de matérias editorializadas contra Lula no jornal Folha Universal, que circula com 1,7 milhão de exemplares. Em uma delas, a ação do PT era representada por uma ilustração que mostrava garras demoníacas. Em outra, a matéria de capa pregava que é impossível ser cristão e ser de esquerda.

Vencida a eleição pelo petista, para surpresa de zero pessoas, Macedo gravou um vídeo dizendo aos fiéis que deixassem de reclamar do resultado das urnas e que apoiassem o vencedor. A certa altura da gravação, pergunta quantas pessoas no Brasil e no mundo devem ter ficado magoadas e iradas com Lula. "Deus fez a vontade dele. Só perdoando, não tem jeito. Se você perdoar a pessoa que a feriu, então você será perdoado", diz ele.

Acostumado a estar sempre próximo do poder, o chefão da Universal ensaiou uma meia-volta e acenou para o PT. A presidente da legenda, porém, recolocou o tema nos termos corretos.

"Dispensamos o perdão de Edir Macedo. Ele é quem precisa pedir perdão a Deus pelas mentiras que propagou, a indução de milhões de pessoas a acreditarem em barbaridades sobre Lula e sobre o PT, usando a igreja e seus meios de comunicação para isso. A nossa consciência está tranquila", escreveu Gleisi no Twitter.

As palavras da deputada causaram certa marola, começou uma discussão sobre se ela acertou ou errou ao reagir tão fortemente.

Para alguns aliados, a presidente do PT deveria ter ficado em silêncio, para que o partido se beneficiasse da trégua oferecida por Macedo. Para os antipetistas de carteirinha - aqueles para quem o PT está sempre errado, faça o que fizer —, Gleisi exibiu soberba e incompreensão da lógica evangélica (como se o partido não tivesse a favor de si outros líderes dessa linha religiosa, com práticas bem diferentes de Macedo).

Os poucos aliados que criticaram Gleisi deveriam ter em mente que Lula construiu em torno de si uma frente bastante ampla - inclusive com líderes religiosos -, mas que não deveria levar em conta novamente conglomerados da fé que se aproveitam do governo para crescer e na eleição seguinte manipulam seus fiéis. Esse é um dos erros que a presidente do PT evita que seja repetido ao responder energicamente a Macedo.

Gleisi não fecha a porta para o diálogo com o bispo-mor da Universal, mas deixa claro que um eventual relacionamento não pode começar com o PT sendo colocado no papel de pecador a pedir indulgência de Macedo. Quem errou, ao misturar absurdamente religião e política, foi ele.

Já os antipetistas não se deve levar em conta, pois qualquer coisa que o partido fizer será criticada impiedosamente de qualquer forma.

Uma antiga máxima ensina: quem fala a verdade não merece castigo. É certo, porém, que em plena transição para o governo do PT e seus aliados, algumas verdades inconvenientes devem ser evitadas.

Mas tudo tem limite.

Com seu tuíte, Gleisi Hoffmann mostrou sem meias palavras qual é o grau máximo de tolerância para o seu partido. Mais uma vez, ela acertou.