Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
É hora de lembrar a militares golpistas que o poder é civil
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— Lotado no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), um sargento da ativa da Marinha grava vídeos e áudios incentivando atos golpistas e diz que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, não tomará posse. Mais: incentiva a guerra civil e diz que quem votou em Lula "tem que morrer".
— Diante da vitória do petista, comenta-se que os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica planejam entregar seus cargos a duas semanas da posse do novo governo. Se confirmado, seria um óbvio movimento de insubordinação.
— Em carta aberta, grupo de 221 militares da reserva e reformados protesta contra o resultado das eleições e pede que comandantes das Forças Armadas atendam aos apelos de manifestantes golpistas que pedem intervenção militar. Dos signatários, 46 são oficiais-generais de quatro estrelas.
— General comandante da 10° Região Militar do Exército, em Fortaleza, diz que protegerá os manifestantes golpistas que permanecem à porta do quartel e não tomará medidas contra eles, "mesmo que existam ordens de outros poderes no caminho contrário".
Esses são apenas alguns exemplos recentes da bagunça que se instaurou nas Forças Armadas brasileiras. Disciplina e hierarquia se tornaram uma lenda na instituição, que não pune — ou ao menos não divulga exemplarmente a punição, como deveria fazer — os fardados que se posicionam politicamente e insuflam motim na caserna e fora dela.
É preciso parar de tratar o assunto com luvas de pelica, já que militares das Forças Armadas cada vez mais se mostram fora de controle.
Parcela barulhenta dos fardados deixa claro que não aceita obedecer as regras democráticas. Não darão golpe no estilo clássico, aquele com tanques nas ruas e generais tomando o lugar dos políticos, mas fazem o possível para tensionar a vida nacional.
Alguns, como o sargento da Marinha citado no início do texto, fazem mais que isso: incentivam a prática de crimes, inclusive homicídios.
Desde que começou o governo de Jair Bolsonaro, cujo projeto foi gestado nos quartéis, militares se sentem à vontade para manifestar seus maus bofes autoritários, idolatrar torturadores covardes (um pleonasmo) como Brihante Ustra, e desafiar Lula e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Apesar disso, imprensa e políticos tentaram minimizar esses sinais. Primeiro, atribuíram-se os episódios mais cabeludos ao pessoal da reserva, que não representaria as Forças Armadas. Depois, com a campanha do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, contra as urnas eletrônicas, correu a versão de que ele não representava o Alto Comando.
Agora, são os próprios comandantes das forças, um general de Fortaleza e até um sargento do GSI, todos da ativa e em postos de destaque, que colaboram para a esculhambação da disciplina, um dos pilares da vida castrense.
Nesse contexto, é preciso trazer a vida republicana para seu eixo e dizer a todos uma verdade constitucional: no Brasil, o poder é civil.
Forças Armadas são o braço bélico do Estado para reagir a inimigos externos. Não faz sentido que os militares disputem protagonismo como os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
A nostalgia de grupos fascistas pelos tempos da ditadura militar não é motivo bastante para que a democracia brasileira mude seu funcionamento. É motivo, sim, para que respondam na Justiça por golpismo, sejam eles civis ou oriundos da caserna.
Para retomar a normalidade, as instituições precisam deixar claro que o governo civil, os parlamentares e os representantes da Justiça são os encarregados pela Constituição de fazer o país funcionar. Nenhuma dessas instâncias deve se reportar às Forças Armadas para saber que decisões tomar.
A tarefa de fazer os militares voltarem às casernas - e manterem-se lá - não é apenas do Executivo, mas de todos os atores da vida nacional - inclusive a sociedade civil.
Felizmente, nem todos nas Forças Armadas são aventureiros desse tipo.
Infelizmente, quem discorda dos golpistas e está na ativa não pode se manifestar, já que a disciplina impõe silêncio, e dos que estão na reserva poucos estão dispostos a se indispor com seus pares.
A distorção que nos trouxe até à desordem atual, em que fardados recebem salários polpudos para desestabilizar a República, tem que ser revertida agora.
Alguém pode argumentar que são eles que têm as armas e poderiam facilmente impor sua vontade aos civis pela força. Essa é sempre uma possibilidade em um país como o Brasil, onde a História registra nove golpes militares. Mas ao menos isso os obrigaria a mostrarem-se tal como são.
Assim como não há uma mulher meio grávida, não existem militares que sejam meio democráticos. Que a turma da caserna decida como quer aparecer na fotografia que ficará para a posteridade.
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