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Por que não dá para comparar a esquerda do Peru com a do Brasil
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Desde ontem, quando o presidente peruano Pedro Castillo tentou fechar o Congresso e foi posteriormente deposto e preso, bolsonaristas fazem comparações nas redes sociais entre a esquerda do Peru e a do Brasil, como se fossem parecidas. O mote para essa equiparação é uma foto em que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aparece ao lado de Castillo — ignoram o fato de que o presidente Jair Bolsonaro (PL) também posou sorridente ao lado do presidente deposto.
Para esclarecer a questão, a coluna ouviu o historiador peruano Yobani Jauregui, da Universidad San Ignacio de Loyola, de Lima, e o pesquisador de Relações Internacionais Pedro Costa Júnior, da USP, para explicar por quais motivos essa comparação é inadequada.
Yobani Jauregui, historiador da Universidad San Ignacio de Loyola, em Lima
A esquerda que chega ao poder no Peru é retrógrada, com plano ultrapassado de estatização de empresas privadas e coisas assim. Além disso, tem vínculos fortes com movimentos subversivos e terroristas como Sendero Luminoso, que deixaram a luta armada e passaram à luta política, formando um partido que apoiou Castillo. Não há no Peru a esquerda moderna, que consegue dialogar com o capital.
Temos outra esquerda, que chamamos de caviar, que basicamente é formada por pessoas de boa posição econômica e acadêmica, que dirigem o antifujimorismo (oposição a ideias de Alberto Fujimori, que presidiu o Peru de 1990 a 2000 e saiu do poder por acusações de corrupção e ataques aos direitos humanos), a maior corrente política do país. Por outro lado, a líder deles fala de diversidade sexual e Pedro Castillo não quer saber de nada disso.
Não é possível comparar as formas de governos de Lula com a esquerda do Peru. Aqui, estão parados no tempo. Lula tem acordos com setores empresariais e com setores progressistas, não renunciou à justiça social e não renunciou a investimentos tanto públicos quanto privados.
Castillo paralisou projetos que são a base da economia do Peru. Ele vem da área sindical, como Lula, mas tem muitas limitações, não há como comparar.
O petista tem experiência de governo, Castillo não conhecia nada. O partido dele não tem quadros políticos, não tem articuladores. A esquerda de Lima é que ajudou a ter articuladores, mas com pessoas que não são muito queridas, o que agravou o problema com o Congresso.
Castillo fez algo muito errado, de bater sempre no Congresso, e isso não deu certo para ele. Passou a fazer ameaças ao Parlamento, enquanto setores da esquerda o incitavam a fechar a Casa.
Já Lula, por mais que tenha rivalidades com a extrema direita do Brasil, por sua cabeça não passará a ideia de fechar o Congresso, respeitará a independência dos poderes.
Pedro Costa Junior, professor de Relações Internacionais e pesquisador da USP
Há um conceito utilizado pelo teórico americano Michael Mann que é o da esquizofrenia política. Caracteriza alguém que tem pautas progressistas no campo econômico, mas é extremamente conservador no campo moral, contra casamento gay e avanços do ponto de vista dos valores. Pedro Castiillo é esquizofrênico nesse sentido.
É fundamental observar que ele é um professor de primário que não foi preparado para o cargo. Foi muito inepto, tentou claramente um golpe. É verdade também que foi para o tudo ou nada porque desde o primeiro dia o Congresso não o deixou governar. Keiko Fujimori (candidata derrotada por Castillo na eleição) não reconheceu o resultado, seguindo o que fez Donald Trump nos Estados Unidos. Diante disso, Castillo não conseguiu governar.
A esquerda peruana e a brasileira não têm nada a ver. A esquerda brasileira não é esquizofrênica nesse sentido, é atenta às causas progressistas de uma maneira geral. Além disso, está fincada numa história de trabalhismo, na defesa dos trabalhadores desde os anos 70, lutou contra a ditadura e foi fundamental na redemocratização. Tem história, base e quadros, desde intelectuais a líderes do movimento negro, líderes sindicais. É sólida, forte, heterogênea e coerente.
Além disso, a esquerda brasileira tem um líder com expressão não só na América Latina, mas no Sul Global todo, que é Lula. Essa diferença está no cerne da comparação da esquerda brasileira com a do Peru.
Um episódio que ilustra o perfil de Lula é contado pelo biógrafo Fernando Morais. É o encontro do petista com Bono Vox, em Londres, em que o artista disse: "Você é o único homem do mundo desde a morte do Mandela que é capaz de unir ricos e trabalhadores na mesma mesa".
Lula tem essa marca conciliadora, não conflitiva. Ele se formou reunindo patrões e proletários no mesmo espaço, é do acordo, é da mediação. E, sobretudo, sempre respeitou as regras do jogo. Pode ser crítico, pode questionar, mas sempre respeitou.
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