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Aldo Rebelo defende regulamentação de garimpo em terras indígenas
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Em palestra realizada há dois dias na cidade paraense de Altamira, o ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo emitiu opiniões inusitadas sobre a trágica condição dos yanomami de Roraima. O vídeo dessa explanação viralizou ontem nas redes sociais. Na contramão das denúncias recentes, Rebelo criticou a "demonização" dos garimpeiros, disse que a condição de penúria dos indígenas é antiga e duvidou que haja cumplicidade das Forças Armadas.
Nessa entrevista à coluna — que o ex-ministro pediu para ser feita por e-mail por conta do tema "sensível" —, ele cobra o cumprimento do artigo da Constituição que determina que o governo favoreça a organização dos garimpeiros em cooperativas e efetivação do estatuto para aqueles que trabalham nessa atividade.
Segundo avalia, o tema não foi discutido por causa da interferência de "forças ocultas e poderosas".
Rebelo diz que os próprios indígenas estão divididos quanto à exploração do garimpo em suas terras.
"Na área Ianomâmi há o garimpo ilegal e aquele realizado com a tolerância das lideranças locais", afirma.
UOL - Em palestra recente, o sr. falou, referindo-se à tragédia na área yanomami, em Roraima, que está havendo "demonização dos garimpeiros". Não ficou comprovado para o sr. que a contaminação por mercúrio, que causou tantas doenças naqueles indígenas, foi causada pelos garimpeiros ilegais?
Aldo Rebelo - Estão comprovados os crimes de contaminação dos rios por mercúrio e que isso é consequência do inaceitável garimpo ilegal, bem como as doenças daí decorrentes. Mas a pergunta que espera uma resposta é a seguinte: por que não se obedece ao artigo 174 da Constituição, que determina que o Poder Público deve favorecer, isso mesmo, favorecer a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros?
O próprio governo do presidente Lula enviou ao Congresso um projeto de lei criando o Estatuto do Garimpeiro, argumentando em favor da formalização da atividade problemas como a evasão fiscal, danos ao meio ambiente, a saúde e a segurança dos trabalhadores. O projeto virou lei em 2008, estabelecendo a prioridade para as cooperativas de garimpeiros na permissão de lavra.
É com base nessa lei que o município como Altamira, onde me encontro no momento, pode usufruir da receita da compensação financeira pela exploração mineral que destina 60% dos recursos ao município, 15% ao estado e 25% à União, sendo que a atividade legal pode ser fiscalizada pelos órgãos de controle e meio ambiente.
Nessa mesma palestra o sr. disse que a tragédia dos yanomamis não é novidade. Apesar de os indígenas estarem em condições difíceis há muito tempo, funcionários do Ibama e estudiosos dizem que nunca viram tragédia humanitária igual. Não acha que o caso atual tem uma gravidade inédita?
Eu denuncio essa situação desde quando presidi a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional ainda no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Em visita às aldeias Ianomâmi, testemunhei a fome e a doença grassando entre as populações indígenas.
O conflito entre índios e garimpeiros é complexo porque há também índios garimpeiros, como no caso dos Cinta Larga da Reserva Roosevelt, que chegaram a matar dezenas de garimpeiros invasores, que retiravam os diamantes de sua reserva.
Já os Munduruku estão divididos, pois há um grupo que promove o garimpo do ouro em suas terras, em conflito com outros que são contrários. Na área Ianomâmi há o garimpo ilegal e aquele realizado com a tolerância das lideranças locais.
O que se pergunta é porque não se regulamenta os dois artigos da Constituição, o 176 e o 231, que autorizam a mineração em áreas indígenas e de fronteira e garantem aos indígenas a participação na riqueza extraída de suas terras. Os governos dos presidentes Sarney, FHC e Lula tentaram em vão essa regularização, bloqueada por forças ocultas e poderosas.
Considere-se que a Amazônia acolhe ao lado da miséria dos índios e dos ribeirinhos a mais importante fronteira mineral do mundo e as maiores reservas de biodiversidade, água doce e florestas tropicais. Acho que isso explica muita coisa.
As Forças Armadas não coibiram o avanço dos garimpeiros ilegais, uma dessas comunidades de garimpo está colada a um quartel do Exército e há acusações de cumplicidade dos militares com os invasores. Na condição de ex-ministro da Defesa, como vê a responsabilidade das Forças Armadas nessa tragédia?
O soldado e o padre foram os amigos dos índios no seu padecimento. O primeiro chega com a vacina e o remédio, o segundo oferece o conforto para os padeceres da alma.
É difícil acreditar em cumplicidade dos militares, já que no caso dos pelotões de fronteira mais de 90% dos efetivos são indígenas da própria região. O Exército mantém uma atividade de repressão ao garimpo ilegal ao ponto de simular nos seus exercícios ataques aos acampamentos dos garimpeiros, como pude presenciar na condição de ministro da Defesa.
A tragédia Ianomâmi é social na fome e na doença, mas carrega também a condição do indígena lutando contra a destruição de seu passado material e espiritual de caçador e coletor por um mundo de novas necessidades que ele não conhece e não domina.
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